Habitualmente fazendo uso de trechos bíblicos em seus discursos e com seu lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, o presidente da república Jair Messias Bolsonaro viu sua popularidade crescer, especialmente entre os cristãos. Seu lema é parecido com o de Adolf Hitler na Alemanha Nazista, que era “Deutschaland über alles” (em português: “Alemanha acima de todos”).
Mas, são todos os cristãos que apoiam este governo? O Reverendo Marcelo Gomes, pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Vila Mariana, explica quem são os evangélicos que defendem o presidente: “Temos dois grupos de cristãos aqui. Aqueles que apoiaram somente no início e os que continuam apoiando até os dias atuais. Ambos os grupos foram motivados pelo resultado de governos anteriores, com agenda baseada por vezes em ideologias distantes do cristianismo, somado aos escândalos históricos de corrupção. Ao identificar os mesmos velhos problemas no governo atual, especialmente o rompimento com as promessas de manutenção do combate à corrupção somado às provas de incompetência administrativa, um grande grupo deixou de apoiar, no qual me incluo”.
Marcelo critica a atitude de Bolsonaro ao utilizar a Bíblia frequentemente em suas falas: “Nos dias atuais qualquer sujeito, mesmo sem muita competência, é capaz de pesquisar e pinçar citações, ainda que sem contexto, em qualquer área de conhecimento. É o caso do presidente. Fala do que não conhece, com objetivos populistas. Quem o elegeu espera este tipo de coisa. Então, ele apenas os alimenta”.
No início de 2019, primeiro ano do mandato de Bolsonaro, seus eleitores esperavam um governo sem corrupção, como prometido por ele em campanha eleitoral, quando ainda era filiado ao Partido Social Liberal (PSL). Durante o governo, diversos casos de corrupção vieram à tona, como o da vacina Covaxin, descoberto pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia e o das rachadinhas, que inclui a família do presidente. Bolsonaro é alvo de quatro inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) com investigações que apuram vazamento de dados de inquérito sigiloso da Polícia Federal (PF), suposta prevaricação sobre irregularidades na negociação da vacina Covaxin e eventual interferência na PF. Além das investigações no STF, o presidente também é investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ataques, sem provas, ao sistema de votação eletrônico.
O site Jusbrasil revela 305 processos de Bolsonaro nos Diários Oficiais. O grande histórico do presidente se completa com 138 pedidos de impeachment feitos ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas). Além de receber desaprovação de 53% da população em pesquisa realizada pelo IPEC, é responsável pela gestão caótica que prejudica o Brasil nas relações exteriores.
A imagem de Deus e da igreja é prejudicada pelo presidente com seus discursos e atitudes. Apesar de tirar fotos com pastores, estar presente em eventos cristãos, citar a Bíblia e ter até se batizado no Rio Jordão, local de batismo de Jesus Cristo, é conhecido por ser negacionista e corresponsável pela morte de grande parte das mais de 600 mil vítimas do coronavírus durante a pandemia no Brasil. O reverendo Alexandre Brandão, pastor auxiliar na Igreja Batista Nova Jerusalém, mostra o mal que Bolsonaro faz a imagem dos evangélicos: “A imagem dos cristãos associada ao presidente fica manchada conforme ele é associado a milícias, preconceitos, armamentismo, discursos de ódio e intolerância”.
Apoiadores do presidente costumam utilizar a frase “estou fechado com Bolsonaro”. A partir dela, caberia uma pergunta a ser feita a essas pessoas: “você está fechado com Bolsonaro, mas o Bolsonaro está fechado com você?” No governo dele, 101 e-mails da Pfizer oferecendo vacinas contra COVID-19 para o Brasil, foram ignorados pelo Ministério da Saúde, o que gerou grande atraso no início da vacinação no país. Somada ao atraso na compra de vacinas, está a disseminação de fake news. Uma das maiores inverdades pregadas pelo presidente e seu governo é alegação infundada de eficácia dos medicamentos que compõem o “kit covid”, o qual apresenta riscos à saúde de quem contraiu o coronavírus.
Por meio da CPI da pandemia, o Brasil conheceu o escândalo da Prevent Sênior, um plano de saúde focado no público da terceira idade, que colocava um prazo limite para pacientes com COVID ficarem internados nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). Além disso, adiantava o uso de cuidados paliativos e obrigava médicos do plano a receitar os componentes do “kit covid”. Senadores da CPI suspeitam de ligação da Prevent Sênior com o “gabinete paralelo”, conjunto de médicos que aconselham o presidente Bolsonaro na gestão da pandemia.O plano de saúde nega as acusações.
Considerando que o presidente defende perante o povo o uso de medicamentos sem eficácia comprovada e que contribuiu para o atraso na compra das vacinas, as quais salvam vidas, é possível dizer que Jair Bolsonaro não pratica o “amor ao próximo”, como prega a Bíblia, tão utilizada em seus discursos. O livro bíblico de Tiago, no capítulo 17, versículo 4, diz: “aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz, nisso está pecando”. O pastor Marcelo faz relação deste trecho com a situação do Brasil: “O Brasil teve em suas mãos a oportunidade de ser um exemplo ao mundo. Isso iria nos impactar em todas as áreas: familiar, com menos mortes; econômica, com boas projeções futuras; e de imagem internacional. Seria um importante passo em direção ao enorme salto e crescimento que todos sabemos que podemos chegar. A aplicação do verso citado é possível e tem seu papel neste ponto específico, assim como os versos anteriores que apontam para a arrogância e presunção humana. Estas são marcas deste governo”.
A representatividade, na igreja evangélica, dos favoráveis ao presidente é grande, porém não atinge a totalidade do público frequentador. Alexandre, que além de pastor é historiador, traz um ponto de vista especial: “Assim como houve muitos cristãos segregacionistas nos Estados Unidos, também houve pastores como Martin Luther King e muitos outros cristãos que levantaram a verdadeira bandeira do evangelho que transforma a sociedade em um lugar solidário. É preciso enxergar a mensagem de Jesus acima do que os cristãos dizem. É no evangelho que deve estar nosso parâmetro para medir o tipo de cristianismo que nos é apresentado. Sempre haverá essas diferenças e extremos, mas é um erro terrível reduzir o cristianismo em uma única expressão. Houve igrejas que apoiaram o Nazismo, mas também houve pastores que se fizeram oposição como Karl Bart e outros que experimentaram o martírio, como Dietrich Bonhoeffer”. Marcelo fala sobre o sentimento de ser mal representado e alerta que Bolsonaro está longe de praticar o evangelho: “Ser mal representado por alguém com tanto destaque é o pior dos mundos para qualquer religião, ideologia ou filosofia. Para os que se deixaram envolver por estes discursos e os associam ao Evangelho, escrevo em letras garrafais: ISSO NÃO TEM NADA A VER COM EVANGELHO. Peço que prestem atenção e percebam que o presidente dá sinais claros de uma pessoa desequilibrada, daquela que é capaz de tudo para se manter no poder ou defender os de sua casa. Nesse afã, ele usa o cristianismo como ferramenta para seus escusos interesses pessoais. Gostaria que isso fosse evidente mesmo para quem não conhece o Evangelho. Mas sei que a realidade é diferente para quem nunca se debruçou sobre o que é o cristianismo de fato. Um dia o presidente será julgado por agir assim. E não me refiro à justiça humana. Convido todos a abrirem a oportunidade para conhecer de fato o Evangelho. Não estou falando em se converter, mas estudar com quem de fato conhece e vive o Evangelho. Se não para uma transformação pessoal, o que normalmente acontece, pelo menos para averiguar o quanto este sujeito que ocupa o cargo de presidente do Brasil é desqualificado em tudo que fala e faz. A verdade que te libertará não está no Palácio do Planalto, está em Cristo, conforme registrado e explicado nas Escrituras”.
Diante de todos esses apontamentos, o Cristianismo não é nada disso que Jair Bolsonaro fala e faz. O propósito de um cristão é amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, o que claramente não se pode relacionar com a postura do presidente da República. Além de estar manchando a imagem da religião, Jair Bolsonaro é um ótimo exemplo de “lobo em pele de cordeiro” e de um “falso profeta”.