Chegando na reta final das eleições e faltando menos de um mês para o início da Copa do Mundo, vemos a liderança técnica e camisa 10 da seleção brasileira, Neymar Jr, fazer campanha para o candidato à presidência da República pelo PL, Jair Bolsonaro. A atitude causou um certo estranhamento no público, principalmente naqueles que levantam a bandeira “futebol e política não se misturam”, mas a verdade é que historicamente, dentro e fora das quatro linhas, o futebol sempre foi um espaço de disputa de discursos políticos. Bolsonaro não começou a usar o futebol como instrumento atualmente, o esporte é um meio que marcou o seu mandato desde o início, e o seu governo sempre explorou este meio tão presente no país. Além de que ele não foi o primeiro, nem será o último, a instrumentalizar o esporte mais popular do Brasil.
Segundo Breiller Pires, jornalista da ESPN, o atual presidente da república percebeu que o futebol seria um campo muito proveitoso antes mesmo de se tornar presidente: “Desde o primeiro momento, antes de tomar posse, ele (Bolsonaro) deixou claro que exploraria bastante o futebol e a popularidade que o esporte tem no país, para vincular sua imagem aos clubes, aos ídolos e de alguma forma ser normalizado.”
Desde o começo do seu mandato, no ano de 2019, o presidente fez questão de marcar presença em estádios, se reunir com jogadores, ex-atletas, presidentes de clubes e diretores, além de claro, adotar como símbolo a camisa da seleção brasileira. Além disso, o presidente utilizou de maneira constante a camiseta de diversos times brasileiros, se adequando ao estado no qual estava presente. Se estava no Paraná, utilizava a camiseta de um time paranaense, se estava em Goiás, um time goiano, e assim por diante.
As situações que ocorreram ao longo destes quatro anos foram diversas. Após ser eleito, o presidente foi a campo erguer a taça do campeonato brasileiro juntamente com os jogadores do Palmeiras, em 2018; entrou em jogo no estádio Mané Garrincha, juntamente com o ex-ministro da justiça, Sergio Moro, para acompanhar o Flamengo, no ano de 2019; entrou em campo no intervalo da semifinal da Copa América e, recentemente, deu entrevistas falando que iria facilitar a construção de um estádio para o Flamengo. Além do uso constante das camisetas de time nas lives e entrevistas promovidas por Bolsonaro.
Outra questão é que Bolsonaro foi muito competente quanto à mobilização de pessoas na comunidade do futebol, que lhe expressaram bastante apoio. Além de Neymar, principal jogador da seleção brasileira, Bolsonaro conseguiu atrair a simpatia de muitos atletas e ex-atletas, entre eles: Thiago Silva, Marcos, Renato Gaúcho, Lucas Moura, Daniel Alves, Felipe Melo e Romário, todos jogadores influentes. O jornalista esportivo da ESPN, Breiller Pires, explica que “o meio do futebol é muito reacionário e conservador [...] naturalmente, muitos atletas acabam se identificando com ele [Bolsonaro], pois vivem neste ambiente extremamente masculinizado, com uma influência muito forte da igreja e da religião.”
Segundo o professor José Paulo Florenzano, pós-doutor em ciências sociais (USP), o uso do futebol como ferramenta política remete a uma prática histórica recorrente, sobretudo em governos autoritários. O professor relembra: “A Copa do Mundo de 1934, na Itália, explorada pelo regime fascista, e a Copa do Mundo de 1978, na Argentina, utilizada pela ditadura militar, podem ser considerados os dois casos mais emblemáticos. No Brasil, sem dúvida, o principal exemplo de uso político do futebol reside na conquista do tricampeonato, na Copa de 1970, pelo regime autoritário.”
Florenzano explica que os atos de Bolsonaro são similares aos utilizados por Emílio Médici, presidente do Brasil durante a ditadura militar. Com o mesmo objetivo e o mesmo método, ambos utilizaram “os símbolos do campo futebolístico para difundir a imagem de um presidente simples, popular e próximo dos torcedores comuns”. A presença nos estádios, o uso da camisa da Seleção Brasileira, proximidade com figuras do universo futebolístico, como, no caso em questão, Neymar, entre as outras coisas citadas acima, mostra que o atual presidente segue de perto o roteiro utilizado no regime autoritário. Para o professor: “a principal diferença encontra-se na conquista de um título de expressão mundial em 1970 em contraste com o momento presente.” Porém, existe a possibilidade da conquista, no fim do ano, com a Copa do Mundo no Qatar.
Ainda segundo Florenzano, “o futebol, mais do que o ópio do povo, constitui o ópio do poder, cujo delírio consiste em acreditar que o futebol permite manipular a sociedade na direção desejada pelas autoridades.” Entretanto, o professor explica que a prática do futebol como instrumento de manipulação da massa é algo ultrapassado segundo pesquisas acadêmicas. O governo atual, como muitos outros, acredita na alienação através do futebol, e a adotou. Mas, nas palavras de Florenzano, isso “não significa que a estratégia seja bem-sucedida, ao contrário, a história mostra que a sociedade não se deixa manipular de forma tão simples. A cultura democrática do universo futebolístico assegura um distanciamento crítico importante para os agentes envolvidos com a prática esportiva, seja dentro de campo, ou na arquibancada.”