Bolsonaro e o futebol brasileiro

Bolsonaro e a sua relação com o futebol. A estratégia do presidente se assemelha com a de Emílio Médici no período ditatorial.
por
Antonio Valle
Christian P. Policeno
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28/10/2022 - 12h

Chegando na reta final das eleições e faltando menos de um mês para o início da Copa do Mundo, vemos a liderança técnica e camisa 10 da seleção brasileira, Neymar Jr, fazer campanha para o candidato à presidência da República pelo PL, Jair Bolsonaro.  A atitude causou um certo estranhamento no público, principalmente naqueles que levantam a bandeira “futebol e política não se misturam”, mas a verdade é que historicamente, dentro e fora das quatro linhas, o futebol sempre foi um espaço de disputa de discursos políticos.  Bolsonaro não começou a usar o futebol como instrumento atualmente, o esporte é um meio que marcou o seu mandato desde o início, e o seu governo sempre explorou este meio tão presente no país. Além de que ele não foi o primeiro, nem será o último, a instrumentalizar o esporte mais popular do Brasil.

Segundo Breiller Pires, jornalista da ESPN, o atual presidente da república percebeu que o futebol seria um campo muito proveitoso antes mesmo de se tornar presidente: “Desde o primeiro momento, antes de tomar posse, ele (Bolsonaro) deixou claro que exploraria bastante o futebol e a popularidade que o esporte tem no país, para vincular sua imagem aos clubes, aos ídolos e de alguma forma ser normalizado.”

Breiller Pires. Fonte: Twitter.
          Breiller Pires. Fonte: Twitter.

Desde o começo do seu mandato, no ano de 2019, o presidente fez questão de marcar presença em estádios, se reunir com jogadores, ex-atletas, presidentes de clubes e diretores, além de claro, adotar como símbolo a camisa da seleção brasileira. Além disso, o presidente utilizou de maneira constante a camiseta de diversos times brasileiros, se adequando ao estado no qual estava presente. Se estava no Paraná, utilizava a camiseta de um time paranaense, se estava em Goiás, um time goiano, e assim por diante.

As situações que ocorreram ao longo destes quatro anos foram diversas. Após ser eleito, o presidente foi a campo erguer a taça do campeonato brasileiro juntamente com os jogadores do Palmeiras, em 2018; entrou em jogo no estádio Mané Garrincha, juntamente com o ex-ministro da justiça, Sergio Moro, para acompanhar o Flamengo, no ano de 2019; entrou em campo no intervalo da semifinal da Copa América e, recentemente, deu entrevistas falando que iria facilitar a construção de um estádio para o Flamengo. Além do uso constante das camisetas de time nas lives e entrevistas promovidas por Bolsonaro.  

Outra questão é que Bolsonaro foi muito competente quanto à mobilização de pessoas na comunidade do futebol, que lhe expressaram bastante apoio. Além de Neymar, principal jogador da seleção brasileira, Bolsonaro conseguiu atrair a simpatia de muitos atletas e ex-atletas, entre eles: Thiago Silva, Marcos, Renato Gaúcho, Lucas Moura, Daniel Alves, Felipe Melo e Romário, todos jogadores influentes. O jornalista esportivo da ESPN, Breiller Pires, explica que “o meio do futebol é muito reacionário e conservador [...] naturalmente, muitos atletas acabam se identificando com ele [Bolsonaro], pois vivem neste ambiente extremamente masculinizado, com uma influência muito forte da igreja e da religião.”

Segundo o professor José Paulo Florenzano, pós-doutor em ciências sociais (USP), o uso do futebol como ferramenta política remete a uma prática histórica recorrente, sobretudo em governos autoritários. O professor relembra: “A Copa do Mundo de 1934, na Itália, explorada pelo regime fascista, e a Copa do Mundo de 1978, na Argentina, utilizada pela ditadura militar, podem ser considerados os dois casos mais emblemáticos. No Brasil, sem dúvida, o principal exemplo de uso político do futebol reside na conquista do tricampeonato, na Copa de 1970, pelo regime autoritário.”

José Florenzano. Fonte: Revista ComCiência.
                               José Florenzano. Fonte: Revista ComCiência.

Florenzano explica que os atos de Bolsonaro são similares aos utilizados por Emílio Médici, presidente do Brasil durante a ditadura militar. Com o mesmo objetivo e o mesmo método, ambos utilizaram “os símbolos do campo futebolístico para difundir a imagem de um presidente simples, popular e próximo dos torcedores comuns”. A presença nos estádios, o uso da camisa da Seleção Brasileira, proximidade com figuras do universo futebolístico, como, no caso em questão, Neymar, entre as outras coisas citadas acima, mostra que o atual presidente segue de perto o roteiro utilizado no regime autoritário. Para o professor: “a principal diferença encontra-se na conquista de um título de expressão mundial em 1970 em contraste com o momento presente.” Porém, existe a possibilidade da conquista, no fim do ano, com a Copa do Mundo no Qatar.

Ainda segundo Florenzano, “o futebol, mais do que o ópio do povo, constitui o ópio do poder, cujo delírio consiste em acreditar que o futebol permite manipular a sociedade na direção desejada pelas autoridades.” Entretanto, o professor explica que a prática do futebol como instrumento de manipulação da massa é algo ultrapassado segundo pesquisas acadêmicas. O governo atual, como muitos outros, acredita na alienação através do futebol, e a adotou. Mas, nas palavras de Florenzano, isso “não significa que a estratégia seja bem-sucedida, ao contrário, a história mostra que a sociedade não se deixa manipular de forma tão simples. A cultura democrática do universo futebolístico assegura um distanciamento crítico importante para os agentes envolvidos com a prática esportiva, seja dentro de campo, ou na arquibancada.”