Biblioteca Mário de Andrade: três exposições revelam riqueza do acervo

Em entrevista, a curadora explica o projeto artístico e as temáticas relacionadas à arte das ruas, representatividade nordestina e historiografia brasileira
por
Fernanda Pradella Travaglini
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28/04/2023 - 12h

            Neste mês de abril, estrearam mostras inéditas na Biblioteca Mário de Andrade, no Centro de São Paulo. A temporada está aberta para visitação até o dia 4 de junho e conta com produções de Marcelo Solá, Francisco de Almeida e José de Quadros. Os artistas têm diferentes trajetórias e tratam de aspectos da arte urbana, cultura do nordeste e história do Brasil, respectivamente. 

           Em entrevista à AGEMT, Tereza de Arruda, curadora das três exposições independentes, diz que as mostras foram elaboradas especialmente em diálogo com o espaço e o acervo da Biblioteca. 

José de Quadros e Marcelo Solá realizaram pesquisa no local, selecionando fotografias, desenhos e narrativas que colaborassem com sua própria linguagem enquanto artistas e com o material guardado pela biblioteca. Já Francisco de Almeida buscou se conectar à arquitetura e condições espaciais do local. 

Tereza explica que esse tipo de prática na montagem de exposições é comum no mundo da arte, porém é a primeira vez que ocorre na Mário de Andrade. "Funciona quase como um programa de residência artística na biblioteca". O objetivo é trazer visibilidade ao acervo. 

Do Brutalismo à Vertigem no Olhar, de Marcelo Solá

"A Mário de Andrade é como um oásis", diz Tereza. A cena paulistana no entorno do edifício é composta por muitos ruídos, poluição sonora e visual, trânsito, caos urbano. A Biblioteca, no entanto, é revestida de mármore bege, conta com pé direito gigantesco e silêncio. 

Na entrada, o visitante encontra a obra de Marcelo Solá, "Do Brutalismo à Vertigem do Olhar", que proporciona uma experiência de transição entre o externo caótico e o interno calmo. 

O artista possui uma linguagem "bem expressionista, abstrata, gestual", observa a curadora. Assim, leva a linguagem urbana, dos grafites e pichações em um movimento de "demarcar territórios, conseguir visibilidades em busca de reconhecimento e pertencimento" para dentro da Biblioteca. 

A produção foi feita em modelo site-specific (especialmente para o prédio), com base em imagens e fotografias da época de sua construção, extraídas do acervo. O artista selecionou e produziu serigrafias em azul sobre fundo vermelho, gerando profundidade espacial, como analisa Tereza. 

A curadora entende que Solá realizou uma proposta complexa, que foi muito bem avaliada pelo público que acompanha seu trabalho. "Estamos tendo uma resposta positiva". O artista também se desprendeu de seu suporte usual, o papel, e conseguiu criar utilizando a parede "em produção efêmera, temporal, como a arte nas ruas". 

A curadora ainda ressalta que "a Biblioteca é um ponto de apoio para muitas pessoas em situação de rua, importante que reconheçam parte do universo em que vivem ali". 

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Imagem da obra em processo – instalação específica para o Hall da Biblioteca Mário de Andrade. Imagens: Marcelo Solá / Press Release Tereza de Arruda

 

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Imagem da obra em processo – instalação específica para o Hall da Biblioteca Mário de Andrade. Imagens: Marcelo Solá / Press Release Tereza de Arruda

O Vulcão do Meu Peito Explodiu, de Francisco de Almeida

Diferente de Marcelo, Francisco de Almeida não trabalha diretamente com o acervo da Biblioteca, mas com a arquitetura. Apenas a alguns metros depois dos tons vermelhos e azuis de Solá que é possível avistar um salão redondo, com cúpula alta e janelas enormes de vidro. Através delas, estão belas árvores escuras que contrastam no mármore claro. 

É nesse cenário que a exposição de Francisco de Almeida se encontra. Gigantes telas estão penduradas por fios no teto e o "verde funciona como uma espécie de moldura", diz Tereza. 

A curadora conta que o lugar onde a exposição de Francisco está "dá um ar de catedral, de contemplação que é merecido, especialmente em processo de reparação histórica". O artista é nordestino, natural do Ceará. Tereza aponta que o centro de São Paulo é destino de muitos migrantes que, infelizmente, tantas vezes acabam à margem da sociedade paulistana e sofrem preconceitos. 

A curadora conta que Francisco sofre de uma doença degenerativa, em que perde movimentos e força progressivamente. "Ele criou a técnica da xilografia expandida, para atender as condições que estava, de maneira quase que inacreditável (...) utiliza mesa e se apropria de colheres de pau com haste, apoia no ombro e tira o resto da força que tem para fazer pressão. Muito, muito singular a forma dele de produção, sua magnitude e representatividade". 

Tereza diz que a influência da cultura nordestina está em toda parte da obra do artista. "A xilogravura vem de uma tradição de literatura de cordel. Optamos por colocar o trabalho dele em suspenso por isso."

Francisco trabalha temas que vão do trivial ao sagrado, com destaque às figuras femininas em forma de deusas que, para Tereza, se deve às mulheres que sempre lhe dedicaram cuidados, mãe e avó. Tons de dourado são frequentes em virtude do pai, que era ourives, e há resquícios da linguagem das artes manuais populares do nordeste nas suas telas, como a renda e o bordado, praticados pelas mulheres em sua família. 

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O passeio no jardim do poeta (2023). Imagem: Falcão Júnior / Press Release Tereza de Arruda
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O eclipse na escuridão do jardim I (2023). Imagem: Falcão Júnior / Press Release Tereza de Arruda

Eu Sou Sua Comida Saltitante, de José de Quadros 

O último andar da Biblioteca Mário de Andrade reserva aos visitantes uma experiência multissensorial. Um terraço com vista para a copa das árvores, prédios da década de 20 e arquitetura em art deco, caracterizada pelas formas simétricas e harmônicas, constrói junto ao som dos grupos de samba, que se apresentam no restaurante logo abaixo, um ambiente cultural. À frente, um prédio com a face do escritor Mário de Andrade.

Na sala ao lado, está a exposição de José de Quadros, que traz aspectos da história brasileira. O prédio mencionado faz parte do acervo da Biblioteca e foi lá que o artista levantou as mais de 5 mil fotos de livros e revistas usados para o seu trabalho nesta exposição, diz a curadora. 

Sua produção se concentrou nas narrativas de Brasil que datam do século XVI – com registros sobre a população indígena e originária, feita pelo pesquisador Hans Staden e parte do acervo da Biblioteca – até movimentos modernistas na década de 1920. 

Elementos religiosos, históricos e culturais são representados entre uma estética que combina desenhos em vermelho, folhas de jornal e outros objetos. É possível interpretar as obras através de pequenos fragmentos e do todo – que compõe o conjunto do olhar histórico representado. 

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Políptico "Comida saltitante" (2022/23). Imagem: Paulo Otávio / Press Release Tereza de Arruda
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Poliptico "Muçurana e Ibira-Pema" (2022/23). Imagem: Paulo Otávio / Press Release Tereza de Arruda

Serviço:

Do Brutalismo Urbano à Vertigem do Olhar, Marcelo Solá;

O Vulcão em Meu Peito Explodiu, Francisco de Almeida;

Eu sou sua comida saltitante, José de Quadros;

De 01/04/2023 até 04/06/2023

Funcionamento: 

Terças às Sextas: 9h - 21h 

Sábados e Domingos: 9h - 18h

Biblioteca Mário de Andrade

R. da Consolação, 94 - República, São Paulo - SP, 01302-000

Metrô: Estação República (4 minutos à pé)

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