Na última quinta-feira (16), aconteceu a edição 303 da Batalha do Ana Rosa. Realizada uma vez por semana ao lado da estação de metrô, a batalha de rima reúne não só disputas entre os MCs como principal atração para o público presente, mas também comércios parceiros e independentes do evento, como venda de camisetas temáticas, alimentos e bebidas, e até mesmo cortes de cabelo.
Assim como outras batalhas de rimas, a Batalha do Ana Rosa não é diferente e tem a proposta de oferecer muito mais do que duelos de rap. Criado em 2017, o evento acontece no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, e contribui para a cultura hip-hop nesses 8 anos com mais de 300 edições. De acordo com o organizador Bruno Baueb, 25, a batalha é um movimento que agrega e salva vidas de muitos, como MCs que compartilham suas vivências e experiências através do rap, e hoje influenciam positivamente os espectadores do evento. Além disso, não há apoio do poder público, o movimento é feito de forma colaborativa, do som improvisado à divulgação nas redes. Ele declara que a batalha não gera remuneração suficiente para se manter e enfrenta desequilíbrio financeiro.

Com mais de 20 participantes e organizada em fases de mata-mata, - preliminar, primeira, segunda, semifinal e final - a edição 303 da Batalha do Ana Rosa começou por volta das 19h15. Na fase preliminar, oito participantes se enfrentam por apenas uma vaga, e então o vencedor se junta a outros 15 MCs classificados anteriormente à primeira fase. Nesta etapa, que teve seu início aproximadamente 19h40, era perceptível um aumento do público. Após animação da plateia e rima de sobra por quase três horas, a final foi decidida entre Bask e o campeão Mandacaru, que pela primeira vez venceu a Batalha do Ana Rosa, além de se tornar o segundo campeão do evento nascido no Ceará.
Atualmente, a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo tem uma política pública para subsidiar financeiramente atividades artístico-culturais de grupos ou coletivos, o Programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais), instituído pela lei 13.540 e regulamentado pelo decreto 43.823/2003, com prioridade para jovens de baixa renda e regiões com falta de equipamentos e estruturas. Há duas modalidades para inscrição, o VAI l, destinado para pessoas físicas, prioritariamente jovens de baixa renda, com idade entre 18 e 29 anos, residentes de regiões do município desprovidas de recursos e equipamentos culturais. Já o VAI mantém os mesmos critérios, mas prioriza quem tenha histórico de, no mínimo, 2 anos de atuação em regiões do município ou que foi contemplado na modalidade VAI I desde sua instituição.
Em entrevista à Agemt, Bruno Baueb relata as dificuldades para obter ajuda do poder público. Segundo ele, o Programa VAI é muito concorrido pela quantidade de grupos ligados à arte periférica na cidade: “fora isso, infelizmente temos que fazer algumas parcerias com vereadores para a liberação de algum tipo de verba”. Baueb afirma que, atualmente, a batalha se mantém por meio do perfil no TikTok e do canal no YouTube. No entanto, após arcar com despesas como fotógrafo, designer e até a água oferecida aos participantes, o saldo financeiro costuma zerar e, em algumas ocasiões, negativar. Outra maneira de subsistir são os patrocínios privados. “Empresas que acreditam no nosso trabalho injetam um dinheiro, mas ainda assim não é muito”, comenta.

A última eleição para prefeito de São Paulo, em 2024, impactou nesse movimento cultural. De acordo com o representante da batalha, quatro candidatos pediram para falar com o público que participava do evento, mas Baueb e outros representantes não autorizaram a interação com os espectadores. “Eles não estão preocupados com a gente, só vão colocar um palco, um banheiro químico ou equipamento se colocarmos totem de político aqui”, exclama Bruno. Ele destaca que, embora o coletivo tende à esquerda, não têm “políticos de estimação”, pois muitos tentam se aproveitar da força do movimento artístico. “Já apareceram políticos de direita querendo algo em troca para oferecer apoio, e também vieram os de esquerda dizendo estar conosco, mas onde estão agora?”, questiona.
O representante menciona que o evento atua como um impulso econômico para a região. Além das rimas, a Batalha do Ana Rosa movimenta o comércio local, com ambulantes que vendem drinks, camisetas e churrasco. Nos últimos dois anos e meio, Gustavo Negrão, 31, também conhecido como MC Peixe, vive a vida tanto de marreteiro como a de participante da batalha. Atuando como vendedor de bebidas em praças, estádios e eventos, ele diz que as batalhas são importantes para as vendas durante a semana. “Você vê 200 a 300 pessoas numa praça, então claro que acaba movimentando”, confirmou.

Apesar de ainda rimar e ser ex-organizador da “Batalha dos Estudantes”, em Guarulhos, ele reconhece que seu foco hoje é o comércio. “Já foi essa época de querer viver de rima. Hoje me dedico a ganhar dinheiro com meu negócio, e também vou começar a vender um churrasquinho aqui, aos poucos”, afirma ao destacar que ainda gosta de batalhar, mas tira seu sustento das suas vendas, não das rimas.
A crise causada pelo escândalo do metanol impactou diretamente o trabalho dos ambulantes que vivem das vendas na batalha. Gustavo explica que, a falta de confiança dos consumidores diminuiu as vendas: “é uma questão de saúde pública, não dá para culpar ninguém. Eu mesmo parei de beber. Mas a gente vai se virando com outras coisas, vendendo água, refri e cerveja”. Segundo ele, o movimento ainda existe, mas a renda caiu a ponto de muitos buscarem alternativas, como ele próprio, que iniciou recentemente o negócio de churrasco.
Além dos desafios econômicos, Gustavo critica a ausência de apoio do poder público nas batalhas de rima. Segundo ele, são eventos que movimentam centenas de pessoas e geram comércio no local: “o máximo que eles fazem é liberar um alvará, e olhe lá. Quando passa do horário, chamam a polícia para dispersar. Não tem incentivo, é tudo independente”. Ele relembra que, quando organizava batalhas em Guarulhos, chegou a encerrar o projeto por causa de problemas com a polícia.
Entramos em contato com a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, sobre possíveis investimentos e incentivos culturais e até o momento desta publicação não obtivemos respostas.