Em pronunciamento feito na tarde dessa quinta-feira, 9 de setembro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, rebateu ataques feitos pelo Presidente da República em atos antidemocráticos no dia 7 de setembro. Barroso afirmou ser cansativo ter de responder a acusações falsas, insistentes e sem provas sobre fraude nas eleições de 2018. Barroso lembrou ter dito, na época a Bolsonaro que ele tinha o dever moral de apresentar as provas. "Não apresentou. Continuou a repetir a acusação falsa e prometeu apresentar as provas, novamente”, sendo, ainda, “ intimado pelo TSE para cumprir o dever jurídico de apresentar as provas, se as tivesse. Não apresentou.” O magistrado completou: “ é tudo retórica vazia contra pessoas que trabalham sério e com amor ao Brasil, como somos todos nós aqui. Retórica vazia, política de palanque”.
Em relação aos insultos feitos pelo presidente, o ministro declarou: “ já começa a ficar cansativo, no Brasil, ter que repetidamente desmentir falsidades”, e complementa, “insulto não é argumento, ofensa não é coragem”.
Barroso terminou o discurso de forma contundente:
“A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. O que nos une na diferença é o respeito à Constituição, aos valores comuns que compartilhamos e que estão nela inscritos. A democracia só não tem lugar para quem pretenda destruí-la.”
Confira o pronunciamento na íntegra:
“A propósito dos eventos e pronunciamentos do último dia 7 de setembro, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luiz Fux, já se manifestou com relação aos ataques àquele Tribunal, seus Ministros e às instituições, com o vigor que se impunha. A mim, como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral cabe apenas rebater o que se disse de inverídico em relação à Justiça Eleitoral. Faço isso em nome dos milhares de juízes e servidores que servem ao Brasil com patriotismo – não o da retórica de palanque, mas o do trabalho duro e dedicado –, e que não devem ficar indefesos diante da linguagem abusiva e da mentira.
Já começa a ficar cansativo, no Brasil, ter que repetidamente desmentir falsidades, para que não sejamos dominados pela pós-verdade, pelos fatos alternativos, para que a repetição da mentira não crie a impressão de que ela se tornou verdade. É muito triste o ponto a que chegamos.
Antes de responder objetivamente a tudo o que precisa ser respondido, faço uma breve reflexão sobre o mundo em que estamos vivendo e as provações pelas quais têm passado as democracias contemporâneas. Esse é o tribunal da democracia, e esse é o lugar para procurar compreender o que está acontecendo no mundo.
A democracia vive um momento delicado em diferentes partes do mundo, em um processo que tem sido batizado de recessão democrática, democracias iliberais, constitucionalismo abusivo, retrocesso democrático, ou legalismo autocrático e outras identificações. Os exemplos foram se acumulando ao longo da história: Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Ucrânia, Geórgia, Filipinas, Venezuela, Nicarágua e, mais recentemente, El Salvador. É nesse clube que nós não queremos entrar.
Em todos esses casos que eu citei, a erosão da democracia não se deu por golpe de Estado, sob as armas de generais e de seus comandados. A subversão democrática nesses países a que me referi, ela se deu pela condução de líderes políticos, primeiros-ministros e presidentes da república eleitos pelo voto popular, e que em seguida, medida por medida, vem desconstruindo os pilares que sustentam a democracia e pavimentando o caminho para o autoritarismo.
Há três fenômenos distintos em curso em diferentes partes do mundo: o populismo, o extremismo e o autoritarismo. O populismo tem lugar quando líderes carismáticos manipulam as necessidades e os medos da população, apresentando-se como anti-establishment, apresentando-se como sendo “contra tudo isso que está aí” e prometendo soluções simples e erradas para problemas graves, soluções que cobram um preço alto no futuro.
Quando o fracasso bate à porta – porque esse é o destino do populismo –, é preciso encontrar culpados, bodes expiatórios. O populismo vive de arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, pode ser a imprensa ou podem ser os tribunais.
As estratégias mais conhecidas praticadas no mundo são:
- Uso das mídias sociais, estabelecendo uma comunicação direta com as massas, para procurar inflamá-las;
- A desvalorização ou cooptação das instituições de mediação da vontade popular, como o Legislativo, a imprensa e as entidades da sociedade civil; e
- Ataque às supremas cortes ou cortes institucionais, que têm o papel de, em nome da Constituição, limitar e controlar o poder.
Em segundo lugar, vem extremismo se manifesta pela intolerância, agressividade e ataque às instituições e pessoas. É a não aceitação do outro, o esforço para desqualificar ou destruir aqueles que pensam diferente. Cultiva-se o conflito do nós contra eles. O extremismo tem se valido de campanhas de ódio,de campanhas de desinformação, de meias verdades e teorias conspiratórias, que visam enfraquecer os fundamentos da democracia representativa. Manifestação emblemática dessa disfunção foi a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, após a derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais. E por aqui não faltou quem pregasse invadir o Congresso e o Supremo.
E por fim o autoritarismo, que é esse fenômeno que sempre assombrou o nosso continente, a América Latina - e não só a América Latina - essa tentação permanente daqueles que chegam ao poder.
Em democracias recentes, parte das novas gerações já não tem na memória o registro dos desmandos das ditaduras, com seu cortejo de intolerância, de violência e de perseguições. Por isso, muitas vezes, as novas gerações são presas mais fáceis dos discursos autoritários. Eu vivi a ditadura, ninguém me contou, e vejo com trsiteza muitas vezes pessoas que perderam a fé no futuro e tem saudade de um tempo bom que não houve. Ditaduras vêm com violências, intolerância e perseguições.
Uma das estratégias do autoritarismo é criar um ambiente de mentiras, no qual as pessoas já não divergem apenas quanto às suas opiniões, como é próprio da democracia, divergem quanto aos próprios fatos. Pós-verdade e fatos alternativos são palavras que ingressaram no vocabulário contemporâneo e identificam essa distopia em que muitos países estão vivendo.E uma das manifestações do autoritarismo pelo mundo afora é a tentativa de desacreditar o processo eleitoral e as instituições eleitorais para, em caso de derrota, poder alegar fraude e deslegitimar o vencedor.
Visto o cenário mundial,no qual nós não queremos entrar, falo brevemente sobre o Brasil e os ataques sofridos pela Justiça Eleitoral, cdenário no qual não entramos porque instituições como o congresso, o poder judiciário e a a suprema corte não permitem, e passo portanto, prezados colegas, em defesa não apenas do nosso tribunal, mas de toda justiça eleitoral, e não apenas dos magistrados, mas de todos os servidores. Eu passo a comentar as imputações que nos foram feitas.
No tom, com o vocabulário e a sintaxe que é capaz de manejar, o Presidente da República fez os seguintes comentários que dizem respeito à Justiça Eleitoral e que passo a responder.
Primeira afirmação: “A alma da democracia é o voto”.
De fato, o voto é elemento essencial da democracia representativa. Outro elemento igualmente fundamental é o debate público permanente e de qualidade, que permite que todos os cidadãos recebam informações corretas, formem sua opinião e apresentem livremente os seus argumentos.
Quando esse debate é contaminado por discursos de ódio, campanhas de desinformação e teorias conspiratórias infundadas, a democracia é aviltada. O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser: “Conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará”.
Segunda afirmação: “Não podemos admitir um sistema eleitoral que não fornece qualquer segurança”
As urnas eletrônicas brasileiras são totalmente seguras. Em primeiro lugar, elas não entram em rede e não acessíveis remotamente. De modo que podem tentar invadir os computadores do TSE (e obter alguns dados cadastrais irrelevantes), podem fazer ataques de negação de serviço aos nossos sistemas, nada disso é capaz de comprometer o resultado das eleições. A própria urna é que imprime os resultados e os divulga.
Além disso, repetindo a saciedade, os programas que processam as eleições têm o seu código fonte aberto a todos os partidos, aPolícia Federal, o Ministério Público e a OAB um ano antes das eleições. Estará à disposição dessas entidades, em evento público, a partir do próximo dia 4 de outubro, quando estaremos a um ano das eleições. Inúmeros observadores internacionais examinaram o sistema com seus técnicos e atestaram a sua integridade.
Ainda hoje, daqui a pouco, eu vou anunciar os integrantes da Comissão de Transparência das Eleitoral com representantes de instituições públicas e da sociedade civil, que vão acompahar daqui de dentro cada passo desse processo a partir do dia 4 de outubro. Portanto, o sistema é certamente insegruo para quem acha que o único resultado possível é a própria vitória. Como já disse antes, para maus perdedores não há remédio na farmacologia jurídica.
Terceira afirmação: “Nós queremos eleições limpas, democráticas, com voto auditável e contagem pública de votos”
Não vou repetir cada item que tenho dito, as eleições brasileiras são totalmente limpas, democráticas e por esse sistema foram eleitos FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro. O sistema tem mais de10 (dez) camadas de auditoria no sistema, ou seja, há possibilidade de verificação externa da sua integridade.
Agora, prezados ministros e população brasileira: contagem pública manual de votos é como abandonar o computador e regredir, não à máquina de escrever, mas à caneta tinteiro. Seria um retorno ao tempo da fraude e da manipulação. Se tentam invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, imagine-se o que não fariam com as seções eleitorais!
As eleições brasileiras são limpas, democráticas e auditáveis. Nessa vida, porém, o que existe está nos olhos do que vê.
Quarta afirmação: “Não podemos ter eleições onde pairem dúvidas sobre os eleitores”
Pois bem, depois de quase três anos de campanha diuturna e insidiosa contra as urnas eletrônicas, por parte de ninguém menos do que o Presidente da República, uma minoria de eleitores passou a ter dúvida sobre a segurança do processo eleitoral. Dúvida criada artificialmente por uma máquina governamental de propaganda. Assim que pararem de circular as mentiras, as dúvidas se dissiparão.
Quinta afirmação: “Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral”
O Presidente da República repetiu, incessantemente, que teria havido fraude na eleição na qual se elegeu. Disse eu, então, à época, que ele tinha o dever moral de apresentar as provas. Não apresentou. Continuou a repetir a acusação falsa e prometeu apresentar as provas, novamente.
Após uma live que deverá figurar em qualquer futura antologia de eventos bizarros, foi intimado pelo TSE para cumprir o dever jurídico de apresentar as provas, se as tivesse. Não apresentou.
É tudo retórica vazia, contra pessoas que trabalham sério e com amor ao Brasil, como somos todos nós aqui, retórica vazia, política de palanque. Hoje em dia, salvo os fanáticos, que são cegos pelo radicalismo, e os mercenários, que são cegos pela monetização da mentira, todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história.
Sexta afirmação: “Não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável”.
Não sou eu que digo isso e nenhum de nós, na verdade todos os ex-Presidentes do TSE no pós-88 – 15 Ministros e ex-Ministros do STF – atestam isso. Mas, na verdade, quem decidiu que não haveria voto impresso não foi o TSE, foi o Congresso Nacional.
A esse propósito, que também aqui para desfazer falsidades, eu compareci à Câmara dos Deputados após três convites: da autora da proposta, do Presidente da Comissão Especial e um convite pessoal do Presidente da Câmara dos Deputados. Não fiz ativismo legislativo e ninguém do TSE fez ativismo legislativo. Nós fomos convidados a comparecer ao Congresso Nacional e participar de um debate público aberto sobre um tema importante que estava sendo discutido.
Fui ao Congresso Nacional sim, e lá expus as razões do TSE. Nós não temos verbas para distribuir, nós não temos tropas, aqui ninguém troca votos. Fui lá, como em todos os lugares, porque eu trabalho com a verdade e com a boa fé. São forças poderosas. São as grandes forças do universo, a verdade e a boa fé. A verdade realmente liberta. Mas só àqueles que a praticam.
Foi o Congresso Nacional, não o TSE, quem recusou o voto impresso. E , aliás, fez muito bem. O Presidente da Câmara afirmou que após a votação da Proposta, o assunto estaria encerrado. Cumpriu a palavra. O Presidente do Senado afirmou que após a votação da Proposta, o assunto estaria encerrado. Cumpriu a palavra. O Presidente da República, como ontem lembrou o Presidente da Câmara, afirmou que após a votação da proposta o assunto estaria encerrado. Não cumpriu a palavra.
Seja como for, é uma covardia atacar a Justiça Eleitoral por falta de coragem de atacar o Congresso Nacional, que é quem decide a matéria.
Insulto não é argumento. Ofensa não é coragem. A incivilidade é uma derrota do espírito. A falta de compostura nos envergonha perante o mundo. A marca Brasil sofre, nesse momento, triste dizer isto, uma desvalorização global. Não é só o real que estamos desvalorizando, somos vítimas de chacota e de desprezo mundial.
Um desprestígio maior do que a inflação, do que o desemprego, do que a queda de renda, do que a alta do dólar, do que a queda da bolsa, do que o desmatamento da Amazônia, do que o número de mortos pela pandemia, do que a fuga de cérebros e de investimentos. Mas, pior que tudo, a falta de compostura nos diminui perante nós mesmos. Não podemos permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral que estamos vivendo.
A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. O que nos une na diferença é o respeito à Constituição, aos valores comuns que compartilhamos e que estão nela inscritos. A democracia só não tem lugar para quem pretenda destruí-la.
Com a bênção de Deus, o Deus de verdade, do bem, do amor e do respeito ao próximo , e a proteção das instituições, um Presidente eleito democraticamente pelo voto popular tomará posse no dia 1º de janeiro de 2023. Assim será.”