A construção do Banco Palmas em 1998, o primeiro banco comunitário do Brasil, surgiu a partir da necessidade dos moradores do Conjunto Palmeiras, localizado na periferia de Fortaleza. Joaquim Melo, fundador do banco, conta que a urbanização do bairro fez com que o custo de vida aumentasse. “Em meados dos anos 90, quando o bairro foi urbanizado, começaram a chegar conta de água, luz, telefone, IPTU, essas taxas todas, e as famílias mais pobres começaram a vender os barracos e ir morar em outras favelas.”
A pergunta “por que nós somos pobres?” foi o fio condutor para compreender o estilo de vida das pessoas. A maioria das respostas foi: pela falta de dinheiro. Por isso, Melo e alguns companheiros do bairro decidiram realizar uma pesquisa sobre o hábito de consumo das famílias. O Mapa da Produção e do Consumo Local apontou que as compras mensais das famílias somavam R$ 1,2 milhão, com cerca de 25 mil moradores na época. “E se viu que a maioria das pessoas ali, por mais pobres economicamente que fossem, já tinha algum dinheiro circulando, o grande problema é que tudo vinha de fora do bairro”, conta Melo.
Após analisarem a situação, surgiu a ideia de criar um banco comunitário para que o capital girasse entre os negócios locais. “Começou como um projeto de desenvolvimento local, mas a ideia sempre foi criar um circuito econômico local onde as pessoas pudessem consumir e produzir aqui mesmo”, explica o fundador.
Um empréstimo inicial de R$ 2 mil da ONG Ceará Periferia deu início ao banco. “E o que a gente tinha era muito simples: um cartão de crédito de papelão que era feito no mimeógrafo. A gente organizou a carteira de crédito e nem tinha computador na época, nem tinha internet, a gente tinha um caderninho para fazer a contabilidade”, lembra. Os empréstimos eram feitos para os moradores, com intuito de incentivar os pequenos negócios do bairro.
Além disso, a criação da moeda “palmas” foi essencial para que a circulação de dinheiro dentro da comunidade fosse efetiva, sistema que perdura até hoje. “A essência do banco comunitário, a sua natureza e seu maior serviço, é fazer esse dinheiro circular localmente. Quando o dinheiro circula localmente gera trabalho, gera renda. Então a moeda social é o coração da atividade do banco”, explica o empreendedor.
A iniciativa se popularizou ao longo dos anos e se estruturou como Instituto Banco Palmas, que também oferece cursos profissionalizantes, oficinas e projetos para a comunidade. O banco passou a apoiar a criação de iniciativas similares em outros municípios do Brasil, formando a Rede Brasileira de Bancos Comunitários. “Cada município com seu próprio banco, mas todos foram criados e acompanhados inicialmente pelo Banco Palmas”, conta Melo. Hoje o banco funciona em todo país por meio da plataforma digital E-dinheiro.
As ações impulsionaram a vida de diversos moradores, reunindo diversas trajetórias de vida junto ao banco. Uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará mediu o impacto da iniciativa para os moradores e 90% apontaram melhora na qualidade de vida. “Não é só emprestar o dinheiro, é ajudar as pessoas a se mobilizarem, a se organizarem, a participar da comunidade e criar essa conexão com o bairro, com a vida e com a economia”, diz Melo.
Katiana Oliveira, 38, moradora do Conjunto Palmeiras desde 1989, é um dos exemplos citados pelo fundador. Ela conheceu o Banco Palmas em 2013, quando precisou de um empréstimo para uso pessoal. Nas idas ao banco para pagar as parcelas, ela soube dos cursos oferecidos e se inscreveu para gastronomia e corte e costura.
Após as especializações, Katiana participou da Oficina de Educação Financeira, que a ajudou a conquistar sua independência financeira e emocional. “Eu me apaixonei [pela educação financeira] porque comecei a aprender a administrar o dinheiro”, conta. Hoje, além de ser presidente do Centro de Nutrição e coordenadora do Prato Colorido (que oferece os cursos), ela também é assistente social do Banco Palmas.
"Também participei de uma roda de conversa sobre empoderamento feminino e descobri que sofria violência psicológica e comecei a trabalhar nisso no grupo, me fortalecendo com as minhas colegas”, lembra Katiana. Ela descreve mudanças em todas as áreas de sua vida, tanto em seu ambiente familiar, quanto profissional.
Então, a empreendedora enxergou potencial dentro da comunidade e desenvolveu projetos, oficinas, cursos e rodas de conversa. Como a Cozinha Delas, criada para auxiliar mulheres que passaram pelas mesmas situações que Katiana. O principal intuito é arrecadar dinheiro para as mulheres da comunidade com a venda dos pratos que aprenderam a fazer nas especializações. “Eu não queria sofrer mais nenhum tipo de violência e eu queria que outras mulheres tivessem a oportunidade de superar e criar suas iniciativas e suas ações para sair dessa situação”, conta.
Durante a pandemia, a desigualdade social foi escancarada e acentuou a fome no país. Por isso, Katiana utilizou seus projetos para lançar a campanha “Bucho Cheinho”. Ela explica: “A ideia é que ninguém fique com bucho vazio nessa pandemia. Então a gente lançou essa campanha de arrecadação de alimentos, de doação de dinheiro e cesta básica, [sempre] acompanhando as famílias, fazendo monitoramentos, fazendo visitas”.
Além da alimentação dos brasileiros, o período pandêmico acentuou a crise econômica que o Brasil já enfrentava. A Pesquisa Pulso Empresa, realizada pelo IBGE, mapeia o impacto da Covid-19 nas empresas, realizada em julho de 2020, os negócios representaram mais da metade dos estabelecimentos fechados apenas no primeiro semestre do ano e mais de 716 mil fecharam desde o início da pandemia.
Os bancos comunitários, no entanto, foram em outra direção. Apesar do impacto sobre os pequenos negócios, houve um aumento nas empresas registradas na plataforma E-Dinheiro. “Por outro lado, os bancos comunitários cresceram na pandemia, pelo fato de serem digitais e estarem presentes na periferia. Nós recebemos muitas doações, tanto do poder público, da prefeitura, como do empresariado”, comenta Joaquim Melo.
A Rede Brasileira de Bancos Comunitários, em conjunto com os líderes locais, criou contas digitais para os moradores. Com doações de R$ 100 a R$ 200, eles puderam comprar do comércio do próprio bairro, “salvando a vida das pessoas porque tinham o que comer e salvando também as economias locais”, conclui Melo.