“É difícil de explicar pra um alemão que pegar um ‘busão’ lotado ou um metrô lotado pode estragar seu dia”. Para Alexandre Ribeiro, de 24 anos, ainda é difícil abordar algumas diferenças culturais entre o Brasil e a Alemanha, onde vive desde 2019. O escritor paulista, representante da literatura periférica (apesar de rechaçar rótulos), acaba de lançar seu novo livro, “Da Quebrada Pro Mundo”, que traz muito de sua herança como morador da Favela das Torres, em Diadema, região metropolitana de SP.
Em entrevista concedida à reportagem, Alexandre falou sobre sua carreira e contou um pouco de sua história no mundo da leitura. “Eu não cresci num ambiente onde a leitura foi cultivada. Sou filho de mãe diarista e pai segurança de firma, e não lembro de ter visto meus pais com livros. Mas eles pensavam na nossa educação, e eu não estudei em Diadema. Fui estudar em São Bernardo do Campo, cidade vizinha, e foi lá que eu comecei”, conta.
“Lembro que li meu primeiro livro, O Menino Maluquinho, anos se passaram, não peguei o gosto pela leitura e isso foi voltar pra mim quando meu ‘coroa’ faleceu. Ele morreu em 2009, infelizmente, por conta da gripe suína, e marcou muito minha história. Eu não lembro do meu pai lendo um livro, mas lembro dele lendo gibis pra gente”, lembra o escritor paulista. Nesse contexto, os livros se perpetuaram na vida de Alexandre também como uma forma de memória: “A leitura veio pra mim como os abraços do pai que eu não tinha, comecei a olhar para trás, lembrar que meu pai me fazia ler e lembrar dele, e comecei a ler cada vez mais; em alguns momentos que eu sentia que tava tudo dando errado e aí a leitura voltou na minha adolescência com outra roupagem”.
Lançado em julho deste ano, “Da Quebrada Pro Mundo” é o segundo romance de Alexandre Ribeiro - o autor também lançou “Reservado” (2019), vendido diretamente para o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, na Feira do Livro de Porto em 2020. Os dois livros abordam questões sociais, raciais e a vivência dos jovens periféricos, mas a mais recente obra (com prefácio do rapper Emicida) retrata um Brasil futurista, que está “sendo revolucionado por uma vacina contra o vírus do racismo”.
Apesar de participações em importantes feiras literárias na Europa, em cidades como Porto-POR e Frankfurt-ALE, Alexandre relata dificuldades em encontrar reconhecimento dentro da literatura. “Eu ainda sinto muita dificuldade de ser reconhecido no mundo literário. Existe uma demanda pela literatura de periferia, mas ou ela é olhada como commodity, ou a gente é transformado só na nossa história, só o que a gente viveu, aí a gente não tem qualidade literária; ou ignoram de fato”. “A minha literatura fala tanto de quebrada quanto de voos internacionais, que é o tema do meu livro ‘Da Quebrada pro Mundo’. Eu gosto de falar que eu sou morador de quebrada, escritor de quebrada, mas não sou só isso”.
A recepção de seu trabalho em solo europeu, no entanto, tem sido agradável, como conta o autor. Para ele, chama atenção o conhecimento internacional do termo “favela”. “Uma coisa que eu enxergo é o fascínio, a palavra ‘favela’ é internacional, se você fala ‘I am from a favela’ as pessoas entendem o que você tá falando. [...] As pessoas sabem o que é uma favela. Não somente sabem, mas tem gente interessada e querendo ouvir quem é da favela”, conta.
O choque cultural entre Brasil e Alemanha também é um aspecto muito relevante na experiência de Alexandre. “Eu falo muito sobre o valor da vida para um jovem pardo no livro. Esse valor é muito deturpado, e num país onde isso é valorizado (Alemanha), é até difícil de explicar o valor das pequenas coisas. É difícil de explicar pra um alemão que pegar um ‘busão’ lotado pode estragar seu dia. Pouca gente sabe o que é ter medo da polícia aqui. Eles podem ter medo da polícia, mas não têm medo de - como aconteceu comigo quando eu tava escrevendo esse livro - ver a polícia parar a viatura perto da praça e sentir medo de morrer”.
Sem se limitar ao rótulo de “escritor de quebrada”, Ribeiro reforça a questão da identificação como jovem periférico e fala sobre se sentir “privilegiado” dentro da favela onde cresceu. “Eu enxerguei que era um ser favelado periférico não na minha favela, e sim quando saí dela, pra trabalhar na Oscar Freire, quando tinha quinze anos. Eu sou muito mais favela quando tô rodeado de playboy. Na quebrada, sou minoria: faço parte de uma elite intelectual lá, um dos moleques que leu Kant e que ‘tá inteirado’ em debates raciais. Como que eu vou debater teoria racial com minha mãe que terminou o ensino médio junto comigo? Eu quero, mas não dá pra negar que tem uma questão”, afirma o escritor. “A leitura na periferia não é vista como direito, então, infelizmente, eu sou mais um desses que usou da leitura como ato revolucionário”.
Alexandre se vê como uma ferramenta que pode ajudar a "abrir portas” para pessoas periféricas que buscam cultura e conhecimento, assim como ele. Além de seus livros, o escritor paulista lançou também um curso popular de língua inglesa - que carrega o mesmo nome de seu mais recente livro. “A gente começa a ter um outro olhar quando a realidade se parece com a gente, começamos a entender que ela é possível. Quando eu escrevo minhas histórias, com a literatura periférica, com personagens negros, mulheres e LGBTQIA+, e isso reflete também fora da literatura, no mundo real. Fazemos esse trabalho de inglês de forma completamente gratuita pra essas pessoas que tiveram esse acesso negado e pra quem quiser fortalecer, que entende o valor do que a gente faz”, conta o autor, que completa: "O dinheiro não compra o acesso, mas que na verdade ele socializa o sonho” .