Auto-tune domina indústria musical após superar preconceitos

Estereotipada no mercado, a maior parte dos artistas atuais utiliza ferramenta e leva diversas canções ao topo da Billboard. Porém, teve quem sofreu depressão pelo seu uso
por
Gabriela Piva
|
25/11/2021 - 12h

Por Ana Gabriela Piva Campanella

Era só mais um dia comum da semana no meio da pandemia. Terminei de trabalhar e decidi navegar pelo streaming - dentro de tantas opções em canais como Disney+, HBO Max, Globoplay ou Amazon, escolhi a série documental “This Is Pop”, da Netflix. O seriado, como o próprio nome diz, fala de algo que me interessa muito: música. Com o título “auto-tune”, o segundo episódio lembrou da vez em que fiz um curso sobre mercado da música no Mundo Pensante e estudei como a tecnologia caminha lado a lado com a música. Era sobre isso que o capítulo dois tratava: tecnologia do auto-tune.

O lançamento, porém, gerou um tabu: virou segredo na mão de muitos produtores. A música “Believe”, da cantora Cher, é um exemplo disso. No topo das paradas da Billboard Hot 100 em 1999, ninguém entendia o som “alienígena” que explodia no refrão.: o auto-tune. é possível perceber o efeito com 44 segundos de música, por exemplo. Depois de muito questionamento, os produtores britânicos Brian Rawling e Mark Taylor reveleram a nova ferramenta. Virou uma febre entre os artistas.

No entanto, o rapper T-Pain foi quem recebeu mais crítica por isso - e um dos que mais usou o auto-tune. Inseguro de mostrar a própria voz e não se destacar no meio, procurou novas formas de se diferenciar dos outros músicos e produtores. Foi quando encontrou, no começo do século, a criação de Hildebrand. Ele recebeu tanta crítica que chegou a sofrer com depressão. Principalmente, quando o também artista e seu amigo Usher disse para T-Pain que ele “havia estragado a música” para “cantores de verdade”. No entanto, em 2021, é raro encontrar quem não use auto-tune.  

Pensando nisso, creio que Usher disse para T-Pain que ele havia estragado a música por duas razões: a primeira, por não ver o futuro; a segunda, por competição e inveja. Apesar de ganhar respeito apenas quando cantou no Tiny Desk, um programa de música acústica e ao vivo, o rapper ajudou a espalhar o uso da nova tecnologia e marcar uma geração inteira. O que prova que o auto-tune veio para crescer com o mercado — e ficar.

Como o músico independente Gabriel Buchmann define, auto-tune é “um software proprietário de correção” de som. Já voltaremos a falar dele. Criado pelo engenheiro Andy Hildebrand, especializado em processamento de dados sísmicos, a técnica foi inventada quando uma cantora pediu para ele criar uma “caixa que afinasse sua voz”. O artista conta ainda que a ferramenta tecnológica “deixou de ser uma muleta para os músicos”. Como a própria Folha de S. Paulo menciona, “virou instrumento musical” por se tornar padrão para qualquer tipo de produção atualmente. “Não usar [auto-tune] acaba sendo mais uma escolha estética e artística do que ao contrário”, pontua. “Atualmente, é muito mais usado como uma finalização de som — é uma forma de deixar tudo muito coeso”, explica. 

Para ele, muitas pessoas criticam o auto-tune “sem saber o que é direito”, quando muitos artistas usam a ferramenta para causar efeito musical. Exemplo disso é o último disco da Billie Eilish, “Happier Than Ever”, que traz distorções sonoras em faixas como “NDA” - outro hit da Billboard. “Acho que tem essa ideia de que você está escondendo algo [ao usar auto-tune] quando, na verdade, essa correção é realmente um pente fino”, finaliza.  

Gabriel Buchmann no jardim tocando guitarra
Gabriel Buchmann no jardim enquanto toca guitarra

Buchmann também costuma usar o autotune em suas canções. No final de outubro de 2022, lançou o disco de estreia de sua carreira, ‘Planaltos e Abismos’, em que podemos reparar nos efeitos sonoros em canções como ‘De Novo’ – a partir do 15º segundo.  

Antes do novo trabalho, o músico criava vídeos covers com o uso de autotune. É possível reparar nas distorções sonoras na canção “Delicate”, de Taylor Swift, na versão de Buchmann. Assim que começa, ouvimos a voz do cantor com uma espécie de eco – é, justamente, o efeito musical do qual estamos falando. Em outro cover, como de “Bury A Friend”, da Billie Eilish, o artista também exibe seu conhecimento tecnológico ao começar a cantar. 

 

A grande questão a ser respondida é que, ao contrário do que Usher disse à T-Pain, o autotune não é inimigo dos músicos, mas amigo. É uma ferramenta que, como qualquer outra, pode ser utilizada para um fim: seja afinar a voz, causar efeitos sonoros ou estabilizar algum som. De acordo com Rick Manzano, “a música e a tecnologia caminham juntas”. Para que, então, demonizar um meio que se tornou instrumento musical na mão de muitos artistas e abriu novas possibilidades para a indústria?