Autistas em estádios: estamos preparados?

Experiência de família com filho autista de 12 anos reacende o debate sobre a inclusão de pessoas no Transtorno do Espectro Autista.
por
Thiago Pereira
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14/11/2023 - 12h

Nos últimos meses, ganhou espaço na mídia o fato de um casal que teve sua entrada no estádio do Mangueirão para assistir a partida entre Remo e Corinthians barrada. O evento aconteceu na quarta-feira, dia 12/04 e, na ocasião, Luíza Flores e Amário Fernandes estavam com seu filho: Daniel, de 12 anos e autista.

 

Segundo Amaro, foram comprados três ingressos de visitantes no valor de R$200,00 cada, porém, devido à grande excitação dos torcedores em torno do jogo, uma confusão foi formada nos arredores do estádio e, por isso, a diretoria do Clube do Remo decidiu fechar os portões e impedir a entrada de mais torcedores, inclusive aqueles que apresentavam ingresso. Em nota, a diretoria do clube negou as acusações e afirma que registrou um boletim de ocorrência para apurar o caso e encontrar os responsáveis, que devem “responder dentro dos limites da lei”.

 

"Compramos três ingressos de visitantes, cada um por R$ 200,00, e não vamos poder assistir ao jogo porque o Clube do Remo fechou o estádio e ninguém entra mais. Meu filho, que tem Autismo, não vai poder ver o jogo do Corinthians, não vai poder ver o time dele. Ele passou a semana inteira falando que ia ver o Corinthians, mas não vai poder por determinação do Clube do Remo, é isso que está acontecendo hoje no Mangueirão", desabafou Amário.

 

O autismo:

 

Na ocasião relatada, mais pessoas tiveram suas entradas barradas no estádio, porém, os prejuízos e consequências que isso pode trazer para uma criança autista podem ser muito maiores devido à alguns fatores relacionados ao transtorno.

 

O Transtorno do Espectro Autista é uma condição neurológica que afeta a comunicação, o comportamento social, a percepção dos sentidos e pode resultar em interesses restritos e repetitivos. Para crianças autistas, a rotina e a previsibilidade são fundamentais e desempenham um papel significativo em suas vidas, como se fossem uma fonte de conforto e estímulo.

 

Dentro dessa condição, existem diferentes níveis de suporte. Significa dizer que um autista nunca será igual ao outro e sempre terá habilidades, dificuldades e características únicas. Mesmo assim, é muito comum que eventos onde ocorra quebra de expectativas sejam muito estressantes.

 

É o caso de Daniel, que esperava ansiosamente para ver seu time de coração em campo e teve um profundo impacto ao ser barrado. Nesses casos, a carga emocional pode ser tão grande a ponto de gerar crises de agressividade e desligamento.

 

A sala sensorial:

 

O Mangueirão, palco da polêmica, possui em seu interior uma sala destinada ao uso exclusivo de pessoas que estão no espectro autista. O local, denominado “espaço TEA” e mantido pela Cepa (Coordenação Estadual de Políticas para o Autismo do Pará), tem como objetivo ser um lugar onde crianças, jovens e adultos possam se sentir confortáveis e se regular sensorial e emocionalmente, já que o ambiente da arquibancada e da torcida é muito estimulante e pessoas dentro do espectro podem ser mais sensíveis a esses estímulos.

 

Ao passo que algumas pessoas nas redes sociais começaram a apontar uma suposta incoerência no ocorrido e cobrar uma posição do órgão, Nay Barbalho, coordenadora de Políticas Públicas Para o Autismo, fez um posicionamento sugerindo que o governo não tem responsabilidade sobre o caso, uma vez que é responsável apenas pelo funcionamento do 'espaço TEA', do lado interno do Mangueirão.

 

"É importante que a gente coloque as responsabilidades de cada um nessa problemática. A Secretaria de Saúde, por meio da Coordenação Estadual de Políticas para o Autismo, é responsável pelo 'espaço TEA', tanto do lado A, quanto do lado B. Lá, vão ter acesso pessoas que já estão dentro do estádio. O ingresso que elas comprarem, onde elas comprarem, do time que elas comprarem - isso não nos cabe. Nos cabe receber as pessoas lá dentro e dar todo o atendimento, acolhimento, tecnologias assistivas para que pessoas autistas possam estar dentro daquele espaço".

 

As problemáticas:

 

Deixando de lado a responsabilidade pelo acontecido, temos um fato: Daniel, um menino autista de 12 anos, foi afetado e prejudicado pelo que ocorreu. Alegações dos pais e dos que saíram em defesa do menino afirmam que era de se esperar que os funcionários de um local que conta com um espaço destinado especificamente ao TEA tivessem o mínimo conhecimento sobre a condição e, dessa forma, proporcionassem um tratamento diferenciado a ele.

 

Quando se fala de inclusão, é necessário que os envolvidos conheçam as características daqueles que pretendem incluir.

 

As individualidades:

 

O autismo se manifesta de maneira singular em cada indivíduo!

 

 

Já para Douglas, pai de Dudu e frequentador assíduo das quadras de futsal com seu filho, a condição dele não afeta a ida aos jogos.

 

 

 

Foto: Dudu em partida do seu time do coração, o Magnus. / Arquivo Pessoal
Foto: Dudu em partida do seu time do coração, o Magnus. / Arquivo Pessoal

 

“O Dudu ama ir aos jogos comigo. Hoje em dia, ele até pede. Grita, vibra, comemora os gols e não liga para o barulho da torcida. Quando eu o levei pela primeira vez, estava apreensivo, mas a experiência foi ótima e o esporte se tornou um grande interesse para ele”.

 

A experiência de Daniel e seus pais no estádio do Mangueirão ressalta a importância da sociedade estudar e entender o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A negação de entrada ao garoto de 12 anos, mesmo diante da existência de um espaço dedicado ao TEA no estádio, evidencia lacunas na compreensão e implementação de práticas inclusivas.

 

É importante que a conscientização e o treinamento se estendam não apenas aos profissionais diretamente ligados ao "espaço TEA", mas também aos funcionários que operam nos diferentes setores do estádio. A singularidade do autismo requer uma abordagem sensível e personalizada, e a falta de entendimento sobre ele pode resultar em situações muito prejudiciais, como demonstrado no caso de Daniel.

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