Ativistas brasileiras apontam conservadorismo em perfil de candidata a vice nos EUA

Equipe das Blogueiras Negras e Juliana Marques, uma das coordenadoras do projeto Mulheres Negras Decidem, criticam posicionamentos de Kamala Harris, que disputa com Joe Biden a presidência da superpotência
por
Laura Monteiro e Raphael Dafferner Teixeira
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02/09/2020 - 12h

As integrantes do projeto Blogueiras Negras, Charô Nunes, Larissa Santiago e Viviane Gomes, afirmaram que a agenda da candidata à vice presidência dos EUA, Kamala Harris, é insuficiente em certos temas. “A contradição de Harris é justamente por ela ser uma mulher democrata conservadora, que ao longo de sua trajetória contribuiu para o aumento do número de pessoas encarceradas nos EUA”, explicaram. Em entrevista por e-mail, elas solicitaram ser identificadas de forma coletiva.

Blogueiras Negras
Reprodução: Instagram (@blogueirasnegras)

Já Juliana Marques, uma das coordenadoras do movimento Mulheres Negras Decidem, responsável por articular formas de inserção de mulheres no debate político, leva em conta os mesmos princípios que as blogueiras. Marques entende a candidatura de Harris como um “lugar simbólico”, o que se reflete no Brasil: “Ela se encontra em um lugar simbólico no sentido de apontar as questões de desigualdade e nos lembrar dos caminhos que a gente precisa superar aqui”.

Juliana Marques, no Instagram, protestando em favor da aprovação pelo financiamento e tempo de propaganda proporcionais para candidatas negras
Reprodução: Instagram (@mulheresnegrasdecidem)

Essas declarações vêm em um momento muito importante para o movimento negro. Desde a morte de George Floyd, vítima da violência policial norte-americana, a discussão acerca do racismo reacendeu. O assassinato acarretou uma grande mobilização global, o Black Lives Matter: o mundo foi às ruas para protestar em favor da igualdade racial.

Sobre o contexto do movimento negro atual, as representantes do Blogueiras Negras afirmaram que as organizações políticas de mulheres negras ocorrem por uma questão de sobrevivência: “Nos organizamos politicamente pois estamos morrendo”, relataram com veemência.

As três ativistas ainda foram além, explicando qual é o papel da mulher negra na política brasileira: “O nosso papel tem sido fundamental para a teoria, prática e consumação das ações políticas dentro ou fora do caráter institucional do Estado - estamos sempre buscando a manutenção da vida, nossa e dos nossos.”

Considerando a gradual cristalização do movimento negro, a então senadora Kamala Harris, no dia 9 de junho, emergiu como favorita à vice presidência na chapa dos Democratas, tornando-se a primeira negra a concorrer em uma disputa presidencial. Frente a esse quadro, a discussão sobre a importância de mulheres ocupando cargos políticos tomou proporções internacionais.

No Brasil, Jair Bolsonaro exibe resistência ante a mobilização racial e conserva o mito da democracia plena - tal ideia apoia-se na imagem de um Brasil isento de ódio, intolerância e desigualdade. Na verdade, porém, trata-se de um dos países mais racistas de todo o mundo, contando com 27% da população feminina negra e tendo apenas 2% dela representando o Congresso Nacional e menos de 1% a Câmara dos Deputados (IBGE).

         “As mulheres negras têm o conhecimento sistêmico de como funcionam as estruturas de educação, saúde, cultura. Conhecimentos estes necessários para integrar ações que alcancem toda a população”, contaram as integrantes do blog. Para muitos, os tópicos reivindicados pelos movimentos em favor de igualdade racial são bastante extremos. De acordo com a membra do projeto Mulheres Negras Decidem, porém, “a busca pelo radical é, na verdade, o direito ao básico.”

A pauta feminina junto à racial exige atenção redobrada. De acordo com o mapa elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios, que discute a questão racial de mulheres na política, a tendência é de que tanto os partidos como o eleitorado associem competência com uma figura masculina, heterossexual e bem posicionada socialmente. Tal estereótipo, no entanto, não simboliza o país. Benedita da Silva, atual deputada pelo PT-RJ e dona de uma carreira política de destaque, em entrevista a HedFlow TV em 2019, declarou: “Nós parimos este país, nós mulheres negras fomos estupradas para parir o Brasil, depois fomos abandonadas, jogadas de lado, e agora querem cobrar de nós meritocracia.” 

 

 

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