“Foi bem empolgante discutir esportes, que é uma coisa que eu gosto e sexualidade, que é algo que eu vivo” revela Edvaldo Junior, um jornalista cis gay negro de 41 anos nascido na capital Baiana, criador de uma das primeiras páginas dedicadas ao movimento LGBT no mundo futebolístico, a EC Bahia Livre. Em entrevista exclusiva para a AGEMT, ele compartilha o surgimento da página que inspirou milhares posteriormente e conta a sua história, passando por momentos de descobrimento do seu “eu” e aflições com o pai.
Edvaldo Junior revelou que o EC Bahia Livre nasceu no ano de 2012, o estopim para a criação aconteceu quando “estourou um caso de homofobia que partiu das torcidas, daí as pessoas LGBTs que iam para os jogos, que faziam parte das torcidas começaram a se indignar e surgiu o movimento nas redes sociais do “Vasco Livre”, que foi seguido por outros times”. Na época, ele e um amigo ficaram indignados que o Bahia não havia se movimentado e, por isso, decidiram eles mesmos criarem uma conta.
O movimento iniciado por Edvaldo Junior e seu amigo, com quem não tem mais contato hoje em dia, influenciou no crescimento do movimento LGBTQAPN+ no futebol brasileiro. A LGBTricolor, página da também da torcida do Bahia nasceu em 2019, após grande inspiração pela EC Bahia Livre.
De acordo com um levantamento feito pelo site O Contra-ataque, até 2016 não existia qualquer menção dos clubes aos torcedores LGBTs. Foi só a partir de 2017 que começaram a se posicionar.
“Então, para mim foi fantástico viver aquilo, eu nunca imaginei unir as duas coisas. Na época que foi criado eu nem pensava que hoje a gente ia ter o movimento que o Bahia faz, temos uma camisa oficial com as cores do arco-íris, isso é inacreditável.” comenta Edvaldo sobre o ato que o clube realizou de fazer camisas com as cores da bandeira LGBT.
No dia 10 de maio de 2024, foi anunciado através do Instagram do LGBTricolor que eles iriam unificar as duas páginas no Facebook e trazer os conteúdos da torcida para o Bahia Livre, que não estava sendo atualizada a algum tempo.
Na época em que ainda administrava a conta, o torcedor baiano não tinha uma relação tranquila com seu pai em relação à sua sexualidade, então foi muito estranho fazer isso sem ele saber, fala Edvaldo: “Eu morria de medo de que ele soubesse, de que algumas pessoas soubessem. Não sei se dava para identificar que eu era o criador, mas me sentia protegido de não ter que revelar quem eu era, porque nada tinha meu nome diretamente.”
Sobre a relação com o pai, Edvaldo diz ter sido delicada, por ele ser um homem conservador e machista, mas o que é comum para uma pessoa com mais de 70 anos. “Eu admiro muito meu pai, ele é um homem muito forte, afirmativo, com garra, fala o que pensa, decidido, um senhor sagitariano”, ele logo esclarece.
Edvaldo desabafou sobre, apesar das desavenças, sempre ter tido a família ao seu lado. “Minha mãe me abraçou como sempre fez a vida toda. Meu pai não foi fácil para ele e nem para mim também ter que ver a cara de decepção dele, mas ele não me deu as costas. Ele deixou claro toda a frustração de estar ouvindo o que não queria ouvir, mas nunca me abandonou.”
“O assunto de sexualidade já causou rugas, discussões, falas pesadas que me magoaram, mas a gente se ama e estamos tentando, e vamos continuar tentando até o fim, vamos morrer tentando achar um caminho para chegar ao equilíbrio, mas acho que já estamos bem perto disso", completa.
Edvaldo também contou como aconteceu a descoberta de sua sexualidade: “Eu fui uma criança e adolescente muito tímido, muito magro e me achava feio. Despertei muito tarde para a minha sexualidade. Beijei pela primeira vez uma menina aos 15 anos e sabia que tinha alguma coisa diferente, que eu tinha desejo por pessoas do mesmo sexo”.
A primeira vez que beijou um homem foi aos 18, mesmo assim se repreendeu, pois, se colocava em um casulo, não contava com muitos amigos no período escolar e sim com o bullying, que foi constante por razões de sua orientação sexual. “Era uma coisa que eu realmente nem sabia que eu era, ouvia aquelas ofensas sem entender direito o porquê eu estava ouvindo, já me remetia que aquilo era errado, isso entrou na minha cabeça e eu fiquei em negação por um tempo”, conta Junior.
Sobre os momentos que sente felicidade e liberdade atualmente, Edvaldo respondeu: “é quando eu estou com meus amigos, ambientes LGBT, lugares onde eu posso me sentir totalmente à vontade… e também quando estou com a minha família ou em um jogo de futebol.”
“Onde quer que eu estiver, porque eu tento ser feliz dentro daquilo que me é proporcionado de felicidade naquele contexto, mas sabemos que nem sempre conseguimos alcançar esse objetivo”, diz Edvaldo Junior.