Ativismo digital combate discurso de ódio e fake news

Criado nos Estados Unidos, movimento Stop Hate for Profit obtém mais de 1.100 apoiadores e alcança resultados expressivos
por
João Capricho
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08/10/2020 - 12h

Fake News e discurso de ódio são dois temas que estão em evidência na atualidade. Impulsionados pelas eleições estadunidenses de 2016 e pelas posses de governos de extrema-direita ao redor do globo, estes assuntos são constantemente alvos de debate. Esses assuntos geram discussões em vários âmbitos, mas principalmente considerando sua presença cada vez maior nas redes sociais. Até pouco tempo atrás, não existia no Brasil uma legislação que pudesse amparar vítimas de crimes cibernéticos A primeira lei sancionada é a de n° 12737 de 2012.

 Mas a falta de controle por parte dos governos em relação ao que é publicado na internet é apenas uma parte do problema, já que muitos dos sites onde ocorrem essas práticas não as condenam e não buscam maneiras efetivas de coibir essas atitudes. Também ocorrem casos em que marcas, de todos os tamanhos e alcances, acabam tendo seus anúncios veiculados em sites ou páginas que contêm conteúdo falso ou preconceituoso. Isso se dá tanto pelo algoritmo utilizado por mecanismos de pesquisas, como o Google, que publicam as propagandas e pop-ups em sites sem realizar uma filtragem prévia quanto pela falta de monitoramento por parte das empresas anunciantes.

Temendo as consequências do problema – e o limitado poder da internet de contê-lo com seus mecanismos de regulação –, grupos ativistas foram criados com o objetivo de trazer à tona essa questão. Em uma tentativa de conscientizar as marcas de que anunciar em páginas com esse tipo de conteúdo não é uma prática rentável e benéfica para a sociedade, o movimento Stop Hate for Profit (SHFP) foi formado nos Estados Unidos. Tendo como objetivo principal a denúncia de empresas que se mantinham caladas após ter publicações expostas, aos poucos o movimento foi migrando para diversos países com a colaboração de ativistas que aderiram à causa. Lançando comunicados e posts nas redes sociais, o grupo conseguiu atingir certa notoriedade, mas só após iniciar campanhas de boicote contra várias marcas multinacionais, sendo a de maior repercussão a do Facebook, que o SHFP alcançou um número expressivo de internautas. Atualmente, mais 1.100 de diversos segmentos, instituições não lucrativas e inúmeros consumidores apoiam o movimento.

O boicote contra o Facebook passou de uma ameaça e se tornou realidade. A campanha se iniciou após a rede social se recusar a apagar um post do presidente estadunidense, Donald Trump, em que o estadista pregava discurso de ódio contra minorias, mas atingiu seu ápice após o assassinato de George Floyd, homem negro que foi brutalmente morto por um oficial de polícia branco, gerando diversas manifestações antirracistas pelos EUA. Segundo os organizadores do movimento, a rede permitiu a incitação de violência contra os manifestantes e cedeu espaço a notícias falsas que tinham como objetivo enfraquecer e deslegitimar os protestos. Depois disso várias multinacionais começaram a ceder à pressão feita pelo movimento, como a Coca- Cola, Vans, Microsoft, Puma, Reebok e Unilever. O   boicote causou a perda de US$ 75 bilhões no valor da companhia, como resultado da desvalorização de suas ações. Após diversas tentativas de diálogo, o Facebook finalmente cedeu e atendeu às exigências dos grupos ativistas, comprometendo-se a realizar uma filtragem minuciosa em todas as postagens feitas na plataforma, a fim de coibir o discurso de ódio e a disseminação de Fake News.

Para o professor da PUC-SP Claudir Segura, doutor em processos cognitivos em ambientes digitais, mestre em design e education leader da Adobe no Brasil, o posicionamento de uma marca perante essas situações nunca pode ser de isenção;

“Como empresa se porta é de uma importância fundamental já que as coisas runs se replicam mais rápido do que as atitudes positivas feitas e veiculadas por essas marcas. As pessoas não ficam quietas com algo errado, elas sempre buscam o culpado por aquela atitude de alguma forma. Então quem trabalha no marketing de imagem dessas marcas sempre deve se perguntar ‘estamos fazendo algo de errado? ’”

Ele cita casos em que as marcas de fato conseguem lidar com a pressão por parte dos movimentos ativistas e se recuperam de maneira para ele, correta;

“ O consumidor generaliza a empresa, não busca responsáveis específicos por aquele deslize dentro da corporação. Um exemplo é o Carrefour, onde após uma abordagem completamente indevida e racista a um senhor negro que estava aguardando sua filha retornar da loja para irem embora, a marca começou a sofrer uma ‘onda hater’ por grande parte dos consumidores, tendo impacto negativo no seu faturamento. A solução encontrada foi o posicionamento público. Posicionamento de aprendizado. Não demitiram o segurança, mas o enviaram para uma oficina de reciclagem de profissionais para que fosse conscientizado sobre questões sociais e não cometesse os mesmos erros, além de se posicionar ao lado da família vítima do racismo, oferecendo auxilio jurídico e moral”.