Por Laura Martins
95 professores da FITO (Fundação do Instituto Tecnológico de Osasco), serão desligados no último dia letivo do ano, 22 de dezembro, sem receber as verbas rescisórias que normalmente acompanham o processo demissionário. Todos estão com contratos irregulares, em um processo que se desenrolou por mais de três décadas, abrangendo a atuação de múltiplas entidades representativas, além de uma reação relutante por parte dos alunos e professores que manifestam um portfólio de relatos sobre a situação da instituição.
O caso é complexo, envolvendo a prefeitura de Osasco durante a administração de partidos opostos; uma fundação educacional pública, que cobra mensalidade; professores contratados de quatro maneiras diferentes, duas destas ilegais; o sindicato das escolas privadas representando uma escola pública; professores que, por lei não tem os direitos assegurados e denúncias de alunos sendo ignoradas.
O que é a FITO?
A FITO é uma Fundação Pública Municipal, criada em 1968, ela representa um símbolo osasquense e hoje conta com quase dois mil alunos só no colégio e mais de 500 funcionários em todos os complexos. Oferece quatro tipos de ensino técnico, mais ensino médio regular e fundamental I e II. A unidade principal engloba o Conservatório Villa Lobos, com diversos cursos de artes e técnico em Música. A grande novidade foi a inauguração da maior creche do País no prédio que antes funcionava a falecida FAC-FITO, (faculdade fechada em 2015 com uma dívida de R$ 74 milhões e apenas 140 alunos), compondo o total de oito creches gratuitas e municipais administradas pela FITO.
A professora de Língua Portuguesa e ex-secretária de Educação de Osasco (PT) Maria José Favarão, ou Mazé explica que a FITO sempre lidou com "uma situação de indefinição quanto a sua natureza.", exemplificado pela mensalidade que os alunos devem pagar, mesmo sendo uma instituição pública.
A administração híbrida e o sistema de contratação ilegal dos professores se dá por incongruências da FITO com as leis da "nova" constituição de 1988, cujo prefeito Celso Giglio (PSDB) tentou resolver através do decreto 9372-2004 que atualiza o estatuto da Fundação como entidade pública. Porém, alguns órgãos interpretam como particular, como afirma uma fonte, "é uma bagunça danada".
Existem quatro tipos de contratos da Fundação com o professor. Quem explica é a Mazé: “Em 1988, a nova constituição estabeleceu que os trabalhadores que estivessem em efetivo exercício a cinco anos ou mais, portanto que tivessem sido contratados até 1983, fossem considerados estáveis”. Hoje, o colégio da FITO tem cerca de oito estáveis, dentre estes, a própria professora. A categoria assegura a permanência dos mesmos no colégio.
De 1983 a 1988 a situação é questionável: trata-se de cerca de dez a doze professores - dentre eles o próprio presidente da Fundação, José Carlos Pedroso e o diretor do colégio, Marco Chicano - que legalmente não tem o contrato estável, mas que, nas palavras do presidente, “é permitido que permaneçam trabalhando na Fundação, até que a administração resolva demiti-los, mas, só esse pessoal tem esses benefícios". Alguns professores questionam a decisão, Mazé é uma delas: "Eu não entendo assim, mas eu não sou advogada trabalhista e nem do direito administrativo. Eu entendo que é igual, mas isso não é muito explicado para nós”.
Todos os outros professores são considerados instáveis. Como em 2004, o prefeito promulgou o decreto que estabelecia a Fundação como pública, todos os funcionários admitidos de 1988 em diante deveriam ser concursados, mas o processo seletivo para o corpo docente da FITO era realizado de forma similar ao das escolas privadas (prova + entrevista + aula teste). Naquele ano, até houve um concurso público, mas ninguém foi contratado… o concurso foi julgado e anulado no dia 7 de dezembro de 2017 por irregularidades.
Quando questionada sobre o concurso de 2004, a advogada da Fundação, que assessorou o presidente em uma entrevista para a Agemt, não soube responder quais as causas da anulação, mas, o presidente do SINPRO Osasco (Sindicato dos Professores de Osasco), professor Salomão de Castro Farias afirma que "houve um problema relacionado à forma de contratação das bancas. [...] meio que.. vamos dizer assim.. estavam comprometidos com determinados profissionais que já estavam lá”. Já adianta-se que a relação do sindicato com a Fundação e até mesmo com os professores de lá é bastante conturbada. Fala-se disso com maior profundidade posteriormente.
O processo mudou em 2011 graças a ordens da Justiça. A partir daí, os contratos tinham a validade de um ano, podendo ser estendidos por mais um ano, com a necessidade do professor fazer uma pausa de um ano para retornar ao processo seletivo da instituição. Outra fonte que deu entrevista para a Agemt, mas preferiu não se identificar - fonte dois - afirmou que, na prática, a pausa não era respeitada pela instituição, que imediatamente renovava os contratos.
As contratações feitas após 2011 eram legais, mas além do descumprimento da pausa estabelecida pela norma, com a pandemia, os contratos venceram e não foram renovados. Portanto, agora são todos ilegais de qualquer forma. Assim, 95 professores do ensino médio, alguns com mais de vinte anos na casa, serão demitidos sem receber décimo terceiro, a multa de 40% sobre o fundo de garantia e o direito a pleitear o seguro desemprego, caso necessário.
De acordo com o presidente José Carlos, "estamos em um mato sem cachorro. Queríamos pagar, mas não podemos. Então, estamos corrigindo uma situação que estava irregular. Não é vontade dessa administração”. A obrigação foi estipulada pelo Supremo Tribunal Federal, por meio de um TAC vinculado a uma súmula.
Para explicar melhor a questão, a Agemt convidou o advogado e analista jurídico do Ministério Público, Guilherme Guerra, que explicou: TAC é a abreviação de Termo de Ajustamento de Conduta. Quando alguma empresa, pessoa ou entidade pública, no exercício de suas atividades, vem violando normas que protegem direitos coletivos, ao invés dessa empresa ser processada, ela pode fazer acordos se comprometendo a ajustar a conduta com o que é previsto na lei. Com isso, ela assume obrigações com sanções expressamente previstas nesse Termo.
Em caso de descumprimento da lei, como funcionários públicos contratados sem concurso após 1988, o órgão que assinou o TAC - no caso, o Ministério Público de São Paulo e a 8ª promotoria de justiça de Osasco - pode executá-lo judicialmente. Isso facilita, porque vai direto para a execução da sanção pactuada, sem necessidade de um processo demorado com produção de provas e etc. Em termos mais simples, é como um contrato: uma parte assume uma obrigação e há sanções em caso de descumprimento.
Esse TAC, especificamente, foi firmado em 23 de maio de 2016, e juntamente a outro aparato jurídico, a súmula 363, a grosso modo, impedem judicialmente a Fundação e a prefeitura de pagar os direitos trabalhistas aos funcionários instáveis, obrigando a regularização de todos os servidores administrativos em até dezoito meses e do corpo docente em até vinte e quatro meses. Todas as novas contratações devem ser feitas por meio de concurso público.
Ambos os prazos se encerraram há mais de dois anos, mas com a pandemia, o concurso atrasou e atualmente a FITO recorre na Justiça para reduzir a dívida acumulada com o descumprimento do acordo. Todos os professores do ensino infantil e fundamental, bem como os funcionários da administração já foram regularizados. O concurso para os professores do ensino médio foi feito em julho deste ano, e os novos professores serão admitidos até o início do próximo ano letivo.
A professora Mazé explica que os professores estão ''em um embate entre o legal e o legítimo''. No campo legal, reconhece-se o TAC, a súmula 363, e os novos professores que foram aprovados pelo novo concurso. Mas, no campo da legitimidade, "nenhum professor agiu de maneira a estar ilegalmente contratado, nenhum deles tem essa responsabilidade", entretanto, só receberão os valores referentes às horas trabalhadas e os depósitos do FGTS.
Quanto ao empenho da Fundação para solucionar a questão sem que nenhuma parte saia prejudicada, os professores afirmam acreditar na boa fé do atual presidente FITO, Mazé reforça que “o presidente da Fundação não nos bateu à porta em nenhum momento” e que vem ajudando a achar uma solução em conjunto. Mas o presidente do SINPRO denuncia a "negligência" desde gestões anteriores: “essa gestão foi beneficiada com esse TAC, eles vão poder fazer algo que todas as gestões anteriores fizeram, mas amparados pela lei”.
Demitir professores sem o devido pagamento é o modus operandi da Fundação, pelo menos desde 1988. A fonte um afirma que “não se tomava proporção porque era um ou outro e aí recorriam à justiça”, mas que, em 2017, com a mudança do presidente da Fundação, o ex-presidente da FITO, Rubens Gonçalves de Aniz foi demitido. Seu contrato “estava regular e ele teria direito (de acordo com o que Zeca [atual presidente da FITO] está definindo) as verbas. Mas, mesmo assim, não foi pago”.
Rubens foi o presidente da FITO em exercício durante a firmação do TAC. A fonte um relata que a sua gestão foi “o único período que os professores receberam todos os seus direitos", que ele “abria um canal de debate” e que independentemente de qualquer TAC ou súmula, pagou todas as verbas rescisórias aos profissionais que se desligaram da instituição (lembrando que a Faculdade da FITO fechou as portas nessa época e, portanto, um número expressivo de professores foram desligados). Ainda segundo a mesma, "o Zeca fala que o Rubens estava respondendo por isso, mas o Rubens falou que não respondeu processo nenhum não… então a gente não sabe quem fala a verdade e quem fala mentira”.
O atual presidente da FITO afirma que nunca atrasou nenhum pagamento dos professores, ressaltando a prática de gestões anteriores. A advogada complementa: "O diretor, juntamente a toda a direção e ao prefeito Rogério Lins [Podemos], que também passou as creches para a FITO administrar, ajudaram e estão ajudando muito a Fundação”. Há quem discorde. A fonte dois afirma que “lá [na prefeitura] o bicho pega! Eles não querem fazer nada para resolver a situação”, o presidente do sindicato complementa, “havia uma situação que já era inevitável, mas que podia ter se buscado uma solução há mais tempo”.
O sindicato
Em 2016, houve a demissão de um professor da Fundação que era amigo pessoal do presidente do sindicato e hoje é um dos dirigentes do mesmo. O funcionário, de acordo com o próprio presidente do SINPRO, “havia entrado com uma ação de frustração de férias, aí uma juíza substituta que estava passando pelo município, pegou o caso e ao invés de julgar a questão das férias, decidiu julgar a validade do contrato dele”, considerando-o irregular. Na época, o presidente da FITO era o Rubens, e, mesmo após uma conversa com o SINPRO, optou por "demitir o professor, abrindo o precedente para a situação que estamos vendo aqui”.
A fonte um afirma que os professores estavam de acordo com a demissão deste professor, que “ele não fazia nada”, acusando o sindicato de favoritismo. Na época, o SINPRO colocou um carro de som na frente da escola, “acabando com a instituição e com os professores que ali trabalhavam, foi nesse momento que a maior parte dos professores se desfiliou da SINPRO”.
O SINPRO Osasco surgiu como associação em 1985. A professora Mazé foi uma das fundadoras e, como ela já lecionava na Fundação, muitos professores se filiaram logo de início. Hoje, a professora não mantém vínculos diretos com o sindicato, mas como legalmente, ele apenas representa os professores das escolas privadas, a FITO não é obrigada a acatar as decisões. Ainda assim, de acordo com a fonte um, o RH da Fundação descontou os valores referentes aos filiados na folha de pagamento durante muito tempo.
Na prática os professores ficaram quase dez anos sem receber aumento salarial, a fonte um denuncia que “quando era interessante, a escola particular dava aumento para os professores e o prefeito falava que a FITO era pública”, já quando a situação se invertia, “o prefeito admitia que era particular”.
No ano passado os professores tiveram 5% de aumento salarial, enquanto a inflação subiu 10%. Nos últimos anos os aumentos foram por volta de 4 ou 5%, mas, segundo a fonte um, “isso também foi uma briga”, os professores não recebiam aumentos todos os anos.
Antigamente a escola recebia cerca de 2% do orçamento da prefeitura que, somada às mensalidades dos alunos, equivaliam ao orçamento da Fundação. Mas, durante a gestão do prefeito Francisco Rossi (PTB, 1989 - 1993) a FITO passou a ser bancada apenas pelas mensalidades cobradas aos alunos, aí, como cita o professor Marcos Müller, no artigo A história do sindicato dos professores de Osasco e região (sinprosasco-1985-1992), “começou um arrocho salarial. A FITO que era a melhor escola que pagava no município deixou de ser, e estava muito mal em relação às outras escolas”.
Escolas particulares de Osasco, que há dez anos pagavam valores similares aos da Fundação para as horas/aula ministradas, hoje pagam cerca de 50 reais, enquanto a FITO paga 31 reais para cada hora/aula lecionada por um professor do ensino médio.
O SINPRO confirma que a Fundação não adere às normas definidas pela Convenção Coletiva de Trabalho e afirma que ambos travam uma “luta há décadas”, mas que a prefeitura “não aceita, pois é um órgão público e não privado”. Salomão ressalta que houve diversas tentativas por parte do sindicato de redigir um acordo específico para a Fundação, “mas nenhum deles foi colocado em prática, nenhum gestor da FITO ou prefeito teve essa ousadia”.
Mesmo com uma relação conturbada, o Sinpro representa dezenas de ações de professores que trabalharam na FITO e foram demitidos nas mesmas condições. Salomão afirma que muitos dos que recorreram à justiça receberam os seus direitos e que a negligência não é exclusividade desta gestão, mas que “sucessivas administrações municipais simplesmente fecharam os olhos para essa condição”.
Os professores
Como um novo concurso já foi realizado para a admissão de professores, parte dos docentes que já trabalhavam na Fundação participaram do processo e foram aprovados, portanto regressarão ao colégio no início de 2023. Salomão destaca que a recontratação de parte da categoria “fragiliza ainda mais a questão, pois diminui-se o poder do grupo que está sendo prejudicado”.
O presidente do sindicato indica que “quando se tem uma divisão dentro do próprio grupo, a dificuldade é ainda maior” e que a questão já é complexa por si só: os professores são horistas, ou seja, recebem de acordo com as horas/aulas ministradas. Como cada matéria tem uma carga horária, cada educador recebe um valor diferente e, judicialmente, o sindicato não pode promover uma ação trabalhista coletiva, “tudo vai fragilizando”.
Caso a mobilização dos professores tivesse começado antes do concurso deste ano, a fonte dois, assegura que outras medidas poderiam ter sido tomadas, mas agora “esbarra na lei e os professores não podem fazer nada”. O Sindicato afirma ainda que tentou agendar uma reunião com o diretor da Fundação três ou quatro vezes, mas não recebeu nenhuma resposta. De acordo com Salomão, “até mesmo a resposta ao ofício que nós enviamos, não recebemos até hoje, eles encaminham à Prefeitura e a prefeitura nos chamou para conversar".
Desde o início da pandemia até a finalização desta reportagem, o sindicato só conseguiu entrar na Fundação três vezes para falar com os professores, mas até 2016, tinham “livre trânsito na FITO”. A Fundação só permitiu, nas duas primeiras ocasiões, que o sindicato entrasse durante o horário de almoço, mas o SINPRO pedia por dez minutos durante o intervalo dos alunos. Assim é possível conversar com grupos maiores, já durante o almoço, os professores se dispersam e muitos saem atrasados para ministrar aulas vespertinas em outras instituições. Em nota, a Fundação alega que a decisão foi pensada para não gerar atrasos nas aulas, caso o período de dez minutos fosse demasiadamente curto.
A terceira presença do sindicato na Fundação foi às vésperas de uma reunião que ocorreu com o prefeito. Salomão afirma que “no auge da confusão a direção da Fundação não permitiu que o sindicato entrasse, nós só entramos porque os professores fizeram pressão e foram para o portão, aí a FITO atendeu ao desejo deles”. No dia, foi feita uma reunião com o presidente da Fundação, professores e dois representantes do sindicato durante o horário das aulas.
No dia 26 de outubro, Rogério Lins se reuniu com o presidente da FITO, uma comissão de professores, a Secretaria de Assuntos Jurídicos do município e representantes jurídicos do SINPRO Osasco. Lá ficou definido que a Fundação, juntamente ao prefeito, tentariam achar uma saída para indenizar os professores. Mas, segundo a professora Mazé, que participou da reunião, “evidentemente que a assessoria dele [o prefeito] já havia informado que não tem o respaldo legal. É fácil dizer que eu tenho como pagar se eu sei que não vou precisar pagar”.
Os alunos
Enquanto os dirigentes se reuniam dentro da prefeitura, os alunos se manifestavam na porta da mesma. Esses foram profundamente afetados com a notícia que - segundo a aluna Maria Cristina Melo (18), do quarto ano de administração da FITO - lhes foi dada no início do ano. Ela conta que o impacto da informação se repercutiu ao longo das aulas, pois os professores “ficam desmotivados''. Isso aconteceu com uma professora nossa, ela acabou faltando bastante e foi demitida antes mesmo do final do ano”.
A aluna do primeiro ano do ensino médio, Maria Luísa Moitinho (15), foi uma das organizadoras da manifestação. A jovem faz parte do movimento estudantil de Osasco e explica que “dentro da sala de aula, os professores não comentam muito sobre o assunto, mas pelo o que vemos e pelas notas que a FITO soltou nas redes sociais, a secretaria parece não se importar muito com o caso”.
A nota em questão foi publicada no mesmo dia da reunião com o prefeito (26 de outubro) nas redes sociais da Fundação, juntamente ao TAC e a Súmula 363. Após a repercussão negativa - dezoito comentários, todos criticando a decisão - a FITO desabilitou a função de comentar - em todas as publicações - tanto no Facebook quanto no Instagram.
No dia 26 de outubro, durante a reunião, o prefeito também deveria ter recebido uma carta aberta - através da comissão de professores - redigida pelos alunos da Fundação. Mas, a entrega da carta foi boicotada não se sabe por quem. A carta dos alunos pode ser conferida na íntegra através deste link. Os professores também fizeram a sua própria carta aberta em resposta aos pais e alunos, que está disponível por completo neste link.
A aluna Malu explica que “a principal reivindicação era a luta dos professores, mas nós estudantes puxamos o assunto para o nosso lado. Acredito que era o necessário”. A carta denuncia questões administrativas, estruturais, pedagógicas, e até menciona casos de racismo e homofobia.
Uma das principais queixas é o uso das quadras cobertas para eventos públicos ou privados, que restringe o acesso dos alunos. Recentemente, duas quadras externas foram inauguradas e José Carlos assegura que diversas melhorias foram feitas na estrutura da Fundação, como a ampliação do restaurante, construção de uma escada, adaptações que facilitam a acessibilidade de cadeirantes na quadra, instalação de corrimões, troca das telhas, entre outras reformas. Com relação aos problemas pedagógicos, nada foi mencionado.
O presidente assegura que a escola “está bem diferente de antes”, que “quem vier aqui hoje, vai ver que é tudo monitorado, então se acontecer alguma coisa e o funcionário não estiver ali naquele momento a gente tem a câmera e consegue detectar”. O colégio, no período da manhã, já ultrapassa os mil e duzentos alunos, mas possui apenas quatro inspetores.
Hoje a FITO abre turmas para o ensino médio com 40 cadeiras o que torna inviável, de acordo com a fonte dois, o trabalho de qualquer professor: “eles estão no limite, e esse limite é colocado em escolas públicas que precisam atender a uma alta demanda de alunos”.
A sobrecarga dos profissionais da Fundação também é denunciada pelos alunos. Malu afirma que quando os professores souberam que seriam desligados sem receber os seus direitos, “eles já passaram a dar aula muito mais cansados” e que a situação “é estressante tanto para os alunos, quanto para os funcionários”. A notícia afetou diretamente a saúde física e mental dos professores, a fonte um relata que uma professora está de licença a cerca de um mês "porque não consegue nem levantar da cama”.
Em 2019 houveram mudanças do estatuto da FITO. Uma das alterações foi na seleção da liderança do colégio. Antigamente havia uma eleição para presidente e depois uma chave tríplice, os professores indicavam três colegas através de voto direto para diretor, coordenador e orientador. Os nomes eram comunicados ao prefeito, que normalmente optava por manter a decisão dos professores. Na mudança, eliminou-se o cargo de orientador. A fonte um afirma que “quando uma professora ganhou, o Zeca ficou contrariado, porque ele queria o outro professor, aí ele mudou o estatuto para a próxima eleição”. A partir daí, tanto a coordenação como a direção e os orientadores, são escolhidos pelo presidente da Fundação.
Malu, manifesta que “a direção da Fundação é financeira e não pedagógica”. Os alunos têm pouco ou nenhum contato com a direção, e estão “a esmo” durante todo o desenrolar da demissão dos professores. A mesma levou quase seis meses para conhecer o diretor da unidade, com quem tentava conversar a respeito da criação de um grêmio estudantil, que ainda não foi colocado em prática. A aluna acusa a direção de “praticamente não olhar na nossa cara” e relata que “A FITO tem essa coisa né… ela não é, de fato, feita para nós”. Então, a principal reivindicação dos alunos é que a escola “nos olhasse como pessoas, e não como números, ou como os 800 reais que a gente paga todo mês”.
Quando questionado sobre qual a linha pedagógica da Fundação, o presidente José Carlos - professor de Educação Física, formado pela Universidade Mogi das Cruzes (UMC) e fisioterapeuta pela Universidade Bandeirante (Uniban), com especialização em Reeducação Postural Global (RPG) - não soube responder. Segundo o mesmo, “ a parte pedagógica a gente não mistura muito com a administrativa.”. A FITO colocou a disposição da Agemt, uma conversa com a equipe pedagógica. A entrevista não foi realizada por questões de prazo da finalização desta reportagem.
Professor de filosofia e sociologia do ensino médio da FITO, no período da manhã em 2016 e 2017, além de pesquisador das dinâmicas de poder nas instituições, Diego José da Silva alega que a Fundação age “como se devesse manter o padrão de antigamente, em que os trabalhadores vinham para adquirir o conhecimento técnico e saiam profissionalizados, sem falar um pio, essa é a linha pedagógica da escola”.
O professor Diego teve uma passagem conturbada na FITO. Uma discussão com um aluno sobre racismo durante a aula foi levada à coordenação e os pais do aluno em questão foram até a escola. Em uma reunião apenas com os responsáveis e a direção, Diego conta que teve medo do pai agredi-lo. O caso tomou proporções inimagináveis, afetando a vida pessoal do professor, “meu casamento acabou na época porque meu ex-marido não ficou do meu lado, ele era ex-aluno da Fundação e afirmou que ‘lá as coisas são assim’.
O professor fomentava pequenos movimentos de insurgência dentro das aulas. Ele lembra que, com algumas turmas, ministrou uma atividade em que os alunos deveriam escolher uma religião e entrevistar um líder de algum centro questionando o significado do amor e da morte dentro da religião, mas comenta que atividades como essa “pareciam incomodar uma instituição criada para atender os objetivos da fábrica e que, mesmo hoje, apesar da ilusão de formação pedagógica infantil e básica, por dentro é uma instituição técnica”.
Teoria e prática
No Livro Técnica e Ciência como Ideologia, o filósofo Jürgen Habermas dialoga com o Sociólogo Herbert Marcuse - ambos da escola de Frankfurt - a respeito do significado da racionalização do homem moderno. O autor destaca a incapacidade da ciência ser neutra e sua conclusão é que o próprio desenvolvimento técnico se tornou, na sociedade industrial, uma forma de legitimação da dominação sobre a natureza e sobre o ser humano. Neste sentido, a FITO, enquanto instituição pública com função educadora, exerce o papel de legitimadora da dominação e de mantenedora da estabilidade social.
O problema não é exclusivo da FITO, mas se torna mais evidente por se tratar de uma Fundação tecnológica e, nas palavras de Malu, a demissão dos professores “serviu como um palco para nós conseguirmos falar de todos os problemas que estamos enfrentando”. Para Habermas, o disfarce da técnica e da ciência como neutra, impõe uma limitação aos conflitos de classe, eles se tornam latentes e passam a ser assuntos de privilégios individuais ao invés de questões próprias das classes sociais dos indivíduos.
"O sentimento é de coisificação", confessa Diego. A própria baixa carga horária para as disciplinas de humanidade, poucas horas aulas de física e química já refletem “na precarização do ensino e na formação de mão de obra barata, desqualificada e sem noção de senso crítico”, salienta a fonte dois. Boa parte dos alunos do ensino médio técnico já trabalham e, mesmo que tenham desenvolvido uma relação afetiva com os docentes, já estão se formando. Os mais novos, “aqueles que vão sentir a mudança, são os sobreviventes de dois anos de pandemia… aí é um capítulo à parte”. afirma a professora Mazé.
Habermas assegura que a política está se transformando em publicidade, Diego explica que “nessa estrutura [a FITO], a publicidade é a construção de uma imagem positiva" e para isso, a aluna Malu alega que a Fundação “não promove o mínimo de pensamento ou exercício democratico em sala de aula. É uma ditadura técnica”. A fonte dois relata ainda, a falta de diálogo entre o presidente, a administração, a coordenação, os professores e - em níveis mais intensos - com os pais e alunos, “tudo está sendo jogado e os alunos são as principais vítimas”.
‘O show tem que continuar!’
O professor Diego indica que a resolução da prefeitura e da FITO para a demissão dos professores gera um efeito pedagógico nos alunos e questiona "como uma instituição educacional não reflete qual o papel da educação? [...] a educação deveria valorizar o indivíduo e fazê- lo consciente de suas ações, de seus direitos e deveres”. A fonte dois lembra que “não teve diálogo o ano inteiro. Agora, perto do apocalipse, não vai ser diferente”.
O presidente do Sindicato reafirma que não entende a situação como ocasional, “ mas intencional que vem sendo construída ao longo do tempo” e que “tudo o que está acontecendo corrobora com a desqualificação do trabalho do professor”. Tais atitudes, segundo o mesmo, são “o cargo chefe do sucateamento que temos da educação pública”.
Mazé declara que greves não adiantariam, pois “não se trata de uma reivindicação que não existe a ser conquistada, para a qual o movimento grevista poderia demonstrar forças. [...] Nós vamos brigar contra a súmula 363, do Supremo Tribunal Federal?" e enfatiza que já participou de várias greves, mas nesse caso, “é igual brigar contra o resultado das eleições… Você goste ou não, já está dado”. O sindicato atesta que a única saída é “judicializar a questão”. Quando os professores forem desligados, o SINPRO oferecerá toda a assistência jurídica para que entrem com ações contra a prefeitura de Osasco e recebam os seus direitos trabalhistas. Mazé reforça que “aí tem duas incógnitas: o tempo que uma ação trabalhista deve levar (o que geralmente não é curto) e qual será a decisão do juiz”.
A professora Mazé e outras fontes sugerem que existe uma possibilidade do prefeito realizar uma iniciativa própria, “algo como uma legislação de transição”, que permitisse pagar uma “bonificação pelo tempo de trabalho”, correspondendo, ao menos, à parte dos 40% da multa do FGTS. Até o momento o prefeito não se manifestou.
Habermas, partindo da fusão entre técnica e ideologia, estabelece a necessidade de uma revolução na ciência e na tecnologia para só então concretizar a emancipação do indivíduo. Sendo assim, o professor Diego questiona a si mesmo “quem vai ganhar com isso? quem lucra com todas essas engrenagens que fazem essa 'fábrica' funcionar?”. O professor entende que o caso corrobora com a “coisificação não só do emprego, mas também da relação professor/aluno”.
Os alunos lamentam o ocorridoe seguem “espanando” a caixa de emails da prefeitura com a carta que denuncia as questões mais urgentes. Malu recorda o laço afetivo criado entre os professores e estudantes ao longo do ano e afirma que “é muito difícil vê-los sendo enxotados dessa forma”.
A professora Mazé, enquanto ex-secretária de educação e docente que permanecerá lecionando em 2023 na FITO, entende que o problema é “como a direção pedagógica da escola vai recepcionar, organizar e incorporar esses novos professores dentro do que seria o eixo pedagógico da FITO. Que educandos nós queremos formar?” e afirma estar surpresa com a quantidade de alunos que - apesar de privilegiados com uma educação paga - “não se colocam na perspectiva de entrar em uma universidade pública”.
Os professores dizem que apesar dos pesares, têm medo de acabar prejudicando a Fundação e sentem “apego” a mesma. Conforme a fonte um, o clima da última semana de aulas foi de "velório, como se cada sala que se entra fosse um adeus, estamos fechando a porta e apagando a luz”.
O presidente José Carlos confirma que, pessoalmente, lamenta muito a demissão destes professores, mas enquanto gestor, está muito contente com o trabalho dos profissionais que chegaram através do concurso. A expectativa com a chegada dos novos funcionários é boa, “vamos trabalhar com uma dinâmica bem bacana porque essas pessoas que vem não tem vícios, então você já vai começar a colocar o que é realmente a natureza da FITO. 'Olha, é isso que vocês tem que fazer, porque a FITO é isso!’. Dia 15 de janeiro de 2023 já está programada a primeira reunião com o novo corpo docente, para que estes fiquem a par de suas obrigações.