Ao ministério, um ministro!

Comunidade da PUC-SP acompanhou aula magna sobre "Direitos Humanos: política transversal e estruturante para reconstrução do Brasil", na última segunda, no Teatro TUCA
por
Giuliana Barrios Zanin
João Curi
Vitor Nhoatto
|
10/08/2023 - 12h

 

Teatro lotado. Havia estudante de pé, estudante sentado. Plateia diversa, repleta de cores, despreocupados, engravatados, lentes atentas. A espera foi apertando. A multidão congestionava os corredores, a entrada, até que a organização entendeu: "Podem liberar a frente".

Grupo de estudantes amontoados nos corredores e assentos do Teatro Tuca.
Estudantes lotam o Teatro Tuca durante aula magna do ministro Silvio Almeida. (Foto: Marina Laurentino)

"Vocês existem e são muito valiosos para nós!"

Aquela onda de gente vinha, insaciada, pelas trincheiras do teatro. Era costume de guerra, agravada nos últimos quatro anos, no êxito de uma vibração do movimento estudantil. Amontoaram-se em frente ao palco, desenfileirados organizadamente. 

 

As paredes rachadas contam histórias que o presidente do centro acadêmico 22 de Agosto, Carlos Eduardo Pereira Rodrigues, não deixou que pintassem por cima. Em seu discurso de abertura do evento, dedicou cumprimentos a todos os presentes, inclusive aqueles que a história não vai apagar. "Carlos Eduardo Pires Fleury (presente!)", a voz do estudante reverberava na de seus semelhantes. "Cilon Cunha Brum (presente!), José Wilson Lessa (presente!), Luiz Almeida Araújo (presente!) e Maria Augusta Thomaz (presente!)".

 

Os arrepios davam início à aula, com a certeza de que o movimento estudantil estava vivo e atento, esperando as primeiras palavras do ministro. Na sequência, a pró-reitora de Cultura e Relações Comunitárias (ProCRC), Mônica de Melo, reforçou a vitalidade do evento, seguida do discurso de recepção da reitora Maria Amália Pie Abib Andery.

 

“Na minha opinião, não deve haver ministério mais difícil do que esse”, demarca a reitora da PUC-SP. “Se os direitos humanos são um problema é porque ainda não foram garantidos”.

 

Enfim, um ministro 

Finalmente, Silvio Almeida se adianta ao púlpito para suas primeiras palavras. Dali em diante só seria interrompido pelas palmas. O ministro falava aos estudantes como o professor que é, numa sala de aula histórica e com capacidade para mais de 600 pessoas, referindo-se principalmente aos 214 milhões guardados pelo ministério. 

 

“A gente não quer só comida", declara Silvio Almeida. "A gente quer comida, diversão e arte”. 

 

O ministro explicou os deveres de sua pasta sem precisar desenhar. Seu discurso era claro e foi bem recebido no teatro lotado. Firmou-se um espectáculo de promoção da cidadania e, claro, um palanque político.

 

"Não fujam de coisas complexas", incentiva Silvio Almeida. "O mundo é complicado. Difícil é viver com um salário mínimo".

 

Sem fantasia, a visão de mundo do ministro-professor era dura e realista. Sem necessidade de números, reiterou os efeitos da desigualdade, do racismo, da homofobia, da violência contra a mulher, da fome, de fazer política. 

 

"Direitos humanos é disputa, é conflito, é complexidade", reitera o ministro. "Como é que a gente vai explicar que tem gente passando fome num mundo com recursos abundantes?".

 

Houve aceite do pessimismo também. Silvio Almeida entregou-se ao realismo e reconheceu a incompatibilidade do cenário nacional com o roteiro idealizado na Constituição. 

 

"À medida que as desigualdades vão aumentando, as condições de humanidade vão se movimentando também", explica o professor. "A noção de humanidade foi construída inclusive sobre o que não é humano. O racismo nasceu da concepção do que não é humanidade". 

 

Os olhos brilhavam na plateia. O deleite se refletia nas lentes do ministro, que não esperava as palmas cessarem para retomar seu discurso. Erguia-se no púlpito como professor de todos aqueles estudantes, em uma matéria que o país insiste em reprovar. 

 

"É um país que tem um problema muito sério em estabelecer uma cultura democrática", destaca. "A mudança nunca é uma luta individual”.

 

"Se a gente não começar a discutir Direitos Humanos com economia, é só conversa fiada", decreta o ministro. "Não existe economia sem gente. Alguns até queriam, e até tentam".

 

Não faltaram críticas à gestão anterior, ainda que generalizadas e sutis - como se fosse necessário dar nome aos bois. No conforto da ininterrupção, Silvio Almeida apontou o encarceramento em massa e o projeto econômico de genocídio como principais fomentos à concentração de renda no Brasil e no mundo. 

 

"Para viver numa sociedade como a nossa, a gente normaliza o absurdo", lamenta. "Não aceitem isso nunca. É inadmissível que as pessoas tenham fome. Não podemos normalizar o que é historicamente absurdo".

 

Confira a aula magna na íntegra: