Antes do trabalho, o cansaço do caminho

Deslocamento diário afeta qualidade de vida e desempenho profissional
por
João Luiz Freitas
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18/09/2025 - 12h

Muitas vezes se imagina que o desgaste mental de um trabalhador nasce apenas de pressões internas do ambiente corporativo. No entanto, ele pode começar muito antes, ainda no trajeto até o local de trabalho. Congestionamentos, longa espera entre um transporte público e outro, atrasos constantes e até mesmo a convivência com o estresse de outros passageiros são alguns dos fatores que tornam o percurso diário um desafio silencioso.

A psicóloga Sandra Oliveira de Freitas explica: “Podemos pensar na sensação de desumanização como se as pessoas fossem apenas mais um número dentro do sistema, o que afeta sua autoestima e a percepção de valor pessoal. É como se muitos acreditassem que, por serem trabalhadores, precisam aceitar situações desgastantes no transporte público”.

Esse sentimento, reforçado pela lógica de trabalhar para sobreviver, não apenas fragiliza a forma como os trabalhadores se enxergam na sociedade, como também influencia diretamente sua rotina. O esgotamento acumulado nos deslocamentos diários pode comprometer tanto a saúde mental quanto o desempenho no trabalho, tornando o desgaste uma extensão não tão evidente da jornada.

Freitas alerta ainda para os reflexos dentro dos ambientes de ofício: “A produtividade e as relações interpessoais no ambiente de trabalho podem ser impactadas diretamente. Quando o funcionário já chega cansado ou irritado, sua energia para se concentrar em tarefas simples diminui. Isso compromete também a criatividade, a motivação e a capacidade de colaborar com colegas”.

Esse cenário mostra que o problema vai além do transporte em si: ele expõe como a estrutura urbana e a forma de organização social interferem na vida de quem depende diariamente do transporte público.

A fisioterapeuta intensivista Laís Aparecida Silva, 27 anos, leva pelo menos duas horas para chegar ao hospital em que trabalha. Metade do percurso é feita no ônibus e a outra metade no metrô.  “É cansativo e imprevisível. Muitas vezes o transporte vem lotado, tem atrasos e preciso sair de casa bem mais cedo para não correr o risco de me atrasar. Às vezes até sinto que já começo o dia esgotada só pelo trajeto”, conta.

Trânsito congestionado na cidade de São Paulo
Trânsito congestionado nas de São Paulo — Foto: Chris Faga (Getty)

 

De acordo com uma pesquisa realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), usuários de transporte público gastaram em média  duas horas e 47 minutos por dia nos deslocamentos pela cidade em 2024.

O impacto vai além do tempo perdido nas conduções. Aparecida explica que o percurso interfere diretamente no desempenho de suas atividades profissionais: “Eu chego no trabalho já meio desgastada. Em alguns dias, parece que gasto a minha energia no transporte e não nas minhas atividades. Isso afeta meu rendimento, principalmente no começo do plantão”, afirma.

Mas o reflexo do trajeto diário não para no ambiente de trabalho. A fisioterapeuta relata que sua vida pessoal também acaba sendo atingida. “Chego em casa muitas vezes sem ânimo para sair, conversar ou brincar com meus familiares. O tempo que passo no trânsito poderia ser aproveitado com a minha família ou até para descansar melhor, realizar uma atividade física”, desabafa.

Para ela, melhorias estruturais no transporte público poderiam transformar a rotina de milhares de trabalhadores. “Gostaria que tivesse mais pontualidade, veículos em melhores condições e menos lotação. Isso já faria muita diferença. Também ajudaria se tivesse mais opções de linhas, para reduzir o tempo de deslocamento”, diz.

Como psicóloga, Sandra Oliveira de Freitas reforça que esse desgaste não pode ser ignorado e aponta algumas práticas que podem ajudar a reduzir o estresse no trajeto. “Ouvir músicas relaxantes, podcast, ler um livro ou até mesmo praticar exercícios de respiração. A respiração diafragmática ajuda. Pode parecer coisa simples, mas que ajuda, ajuda bastante”, afirma.

Segundo ela, é importante também prestar atenção ao corpo durante a viagem, evitando tensões acumuladas: “Às vezes você deixa o seu corpo tão tenso que não percebe. Perceber o quanto a sua mandíbula está travada, o quanto as suas costas estão pesadas e tentar dar uma relaxada”.

Plataforma do metrô lotada em São Paulo
Plataforma do metrô lotada em São Paulo - Foto: Marcelo Mora/G1

 

Além dos cuidados no trajeto, Freitas recomenda criar pequenos rituais antes e depois da jornada: tomar um café tranquilo, conversar com pessoas queridas, priorizar o sono e uma boa alimentação. Ela reforça, acima de tudo,  a importância da saúde mental.

“Eu sempre falo e indico: fazer terapia. Porque ajuda, e ajuda muito. O transporte público está deixando o trabalhador muito estressado, sim. Então, acredito que a terapia vai ajudar não só a lidar com esse transporte caótico, como [vai ser útil] para a sua vida no geral.”

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