Por Victória da Silva
Núbia Santos, de 50 anos, trabalha e encanta a vizinhança com a venda de variados pratos feitos em sua casa, como cuscuz, tapioca, panqueca, caldos e açaí. Moradora de Guarulhos, ela é uma entre milhares de pessoas que ganham a vida na informalidade econômica. Depois de trabalhar em uma tapiocaria e o patrão vender o local, teve a ideia de abrir seu negócio. A mulher que não acreditava muito em si, viu na insistência de colegas de trabalho e do próprio chefe, a possibilidade de conseguir o sustento em casa. O talento que as mãos carregam foi distribuído em diversos alimentos, quando viu que a clientela gostava dos pratos. Começou com a culinária nordestina, que é da onde nasceu, e através da tapioca e do cuscuz, ela deu origem ao “Cantinho da Tapioca”.
Foi o bom tempero da mulher negra e baiana que encantou o paladar das pessoas ao seu redor. Os últimos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revelam que em sete anos (2016-2022) o perfil que predomina a categoria de trabalho informal são homens negros e mulheres negras, como Núbia. Esse tipo de trabalho informal ganhou força e tem crescido cada vez mais no Brasil, sustentando muitos brasileiros atualmente. De bolos de pote até marmitas para o almoço, o modelo de negócio se tornou uma solução para aqueles que enfrentam dificuldades no mercado.
A venda de Núbia acontece pelo tradicional “boca a boca”, em que aqueles que gostam dos alimentos recomendam para parentes e amigos, e assim os produtos chegam em outros ambientes além da rua em que a mulher mora. A cozinheira também realiza a entrega de panfletos e divulga pelo aplicativo WhatsApp, maneiras que muitas dessas pessoas utilizam para disseminar o seu negócio. Ela conta que não faz propaganda dos alimentos em outras plataformas digitais, porque a venda acontece independente desse meio.
Parte significativa dessa população encontra no comércio de pratos feitos em casa uma fonte rentável ou até mesmo complementar. Além de atender o público em busca de praticidade, muitos consumidores valorizam o sabor “feito em casa”, associado à qualidade e ao afeto. Redes sociais e aplicativos de entrega também desempenham papel fundamental, permitindo que microempreendedores alcancem clientes fora do círculo de conhecidos.
A guarulhense defende a ideia de que não compensa colocar o seu trabalho na plataforma Ifood, devido às taxas de venda em cima dos produtos. Além delas, a plataforma também aumenta os preços dos alimentos. Uma tapioca simples que Núbia vende por R$6,00, no Ifood custa R$15,00.

A facilidade de começar o negócio com baixo investimento, a possibilidade de conciliar a produção com outras atividades da casa e a demanda crescente por refeições rápidas e acessíveis têm impulsionado essa prática. Na casa de Núbia, moram ela, seu marido e seus dois filhos. A filha da cozinheira também ajuda na produção dos alimentos e, assim, a família consegue conciliar as tarefas. Embora a quantidade de pedidos seja agradável, principalmente em horários de pico, como o almoço, a trabalhadora diz que não consegue se sustentar com o lucro procedente das vendas. Para isso, o marido José Dias também sustenta as contas da casa e ela faz outros dois trabalhos por fora, sendo cuidadora de crianças e montadora de peças.
O mesmo acontece com dona Vera, de 73 anos, que - ao contrário de Núbia - vende alimentos caseiros na porta da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A senhora chama a atenção dos estudantes com seus brownies e docinhos, como brigadeiros e beijinhos, além da doçura como aborda cada aluno. Vera também não consegue se sustentar apenas com a venda, mas faz os doces pela paixão em cozinhar. Seu jeito encanta os estudantes, quando em suas caminhadas são interrompidos pelo “Bom dia queridos!”. A doce senhora não vai apenas pela manhã para a universidade, mas também no entardecer, sendo uma das figuras mais conhecidas da Rua Monte Alegre. Apesar disso, ela ainda exerce essa atividade como um complemento de renda.
Para além das narrativas que revelam a criatividade e resiliência de muitos brasileiros, a falta de regulamentação ainda é um desafio enfrentado por trabalhadores que não possuem registro como microempreendedor individual (MEI), o que dificulta o acesso a crédito, capacitação e segurança previdenciária. Alguns não criam por escolha própria, outros por medo de não conseguir alavancar as vendas e vingar no modelo de trabalho. O faturamento anual exigido para se sustentar como um microempreendedor ainda é muito alto e foge da realidade dos cidadãos brasileiros.
No entanto, políticas públicas voltadas para a formalização desse setor poderiam fortalecê-lo, gerando mais estabilidade para quem hoje depende exclusivamente dessa renda. Enquanto isso, histórias como a de Núbia que permanece vendendo tapiocas em seu bairro, ou de Vera, que viu na produção de brownies uma boa forma de passar o tempo, continuarão a se multiplicar Brasil afora e se consolidam como alternativas financeiras para o orçamento familiar.