Diante da pandemia do novo coronavírus, com empregos sendo perdidos, emergências na saúde e necessidade de investimentos em proteção social, o governo federal continua defendendo que o ajuste fiscal é sua principal pauta. O Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre de 2020, período em que o país ainda não tinha sido totalmente afetado pela crise sanitária – já que o isolamento social começou a ser adotado a partir da segunda quinzena de março –, apresentou queda de 1,5% em relação ao trimestre anterior.
Em maio, foi aprovada a chamada “PEC do Orçamento de Guerra”, que dá ao governo mais flexibilidade para gastar recursos no combate à pandemia do novo coronavírus, enquanto o decreto do estado de calamidade pública durar. Mas, de acordo com Rafael Bianchini, doutor em direito comercial e professor da FGV Law, quando acabar a calamidade pública do ponto de vista sanitário, haverá ainda a calamidade pública do ponto de vista econômico: “Eu acho que a calamidade econômica de pessoas sem emprego vai marcar muito mais a economia brasileira do que as mortes da Covid-19”.
O debate sobre o ajuste fiscal brasileiro é antigo e tem dois principais aspectos: um estrutural e outro conjuntural. O primeiro ocorre devido ao modelo de desenvolvimento industrial adotado pelo país entre as décadas de 1930 e 1970, quando a dívida pública aumentou muito. Já o conjuntural passou a ocorrer a partir de 1980, quando o ritmo de crescimento do país desacelerou. A partir de 1994, com o Plano Real, tornou-se uma das principais pautas do governo.
Esse plano nunca deixou de ser discutido, mas teve um marco no governo de Michel Temer, quando foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que propõe congelar por 20 anos o aumento dos gastos públicos.
O ajuste fiscal é a principal bandeira dos economistas neoliberais, como os que formam a atual equipe do Ministério da Economia, para “consertar” as contas públicas brasileiras. Mariana Jansen, doutora em economia, professora e coordenadora do curso de especialização em economia urbana e gestão pública da PUC-SP, acredita que, se permanecer essa visão restrita em relação à questão fiscal na atual conjuntura, a crise gerada pela pandemia pode acabar se aprofundando.
Segundo os economistas neoliberais, que defendem o livre mercado, sem interferências do Estado, quando há excesso de gastos por parte do governo e ocorre um déficit fiscal, o Estado tende a aumentar a arrecadação através de impostos para financiar seus gastos. Isso gera um maior custo ao setor produtivo, ampliando o chamado “custo Brasil”. Outro argumento é que o aumento do gasto faz a dívida pública crescer, elevando os indicadores de percepção de risco dos investidores internacionais com relação à economia brasileira, entre eles o risco-país.
Porém, Jansen replica dizendo que há outras formas de aumentar a arrecadação pública, que não passam pelo aumento da tributação. Quanto ao risco- país, a relação dívida pública/ PIB não é o único indicador. Ele é um dentre vários outros. Além disso, a professora deixa claro que “grande parte dos recursos [estrangeiros] que entraram na nossa economia não entraram no setor produtivo. Eles entraram no mercado financeiro”.
Já Bianchini considera que é importante haver um ajuste fiscal estrutural para a adoção de políticas anticíclicas, ou seja, em momentos que seja necessário gastar mais, o Estado possa fazer isso. Outro problema ainda é o alto gasto com pessoal feito pelos estados e a Previdência. O Brasil não é um país rico e nem um país tão velho como aqueles que têm previdência semelhante à nossa, tornando as despesas muito regressivas. O economista lembra também que um Estado cronicamente deficitário se endivida mais por conta dos juros que continuam aumentando. Porém, pondera que, no momento atual, o ajuste fiscal não deve ser o foco: “Mesmo eu, que sou favorável a um ajuste estrutural, considero essa questão secundária na atual conjuntura. Para fazer um ajuste estrutural a gente precisa viver”.
No início de junho, após muita resistência, o governo aprovou estender por mais tempo o auxílio emergencial, inicialmente de três parcelas de R$ 600. Mas ainda não está definido até quando, qual o valor e se o grupo contemplado pelo benefício será ampliado.
Devido ao enorme crescimento da taxa de desocupação, que no trimestre encerrado em abril chegou a 12,6% da população (sem contar aqueles que tiveram contratos suspensos e redução salarial), uma renda que contemple pelo menos o básico para sobreviver é muito necessária.
Segundo a professora da PUC-SP, a lógica da equipe econômica, que se espalha para diversos setores da população, é que é necessário reabrir o país porque as pessoas precisam de emprego e não de caridade.
O professor da FGV ainda aponta que um ponto crucial para a prorrogação do auxílio é a sobrevivência do próprio governo: “É uma questão que, se os governantes não fizerem isso, eu não tenho dúvida, eles vão cair”.