A Reforma Tributária, aprovada no Congresso em 15 de dezembro de 23, passa agora para a sua segunda fase: A regulamentação. O projeto tem como principal objetivo simplificar a tributação. As mudanças começarão a ser aplicadas, gradualmente, a partir de 2026 - último ano de mandato do governo Lula.
É importante pontuar que Reforma Tributária e Arcabouço Fiscal não são a mesma coisa, apesar de se complementarem. A economista Cristina Helena Pinto de Mello explica que a “principal diferença é que quando a gente fala de arcabouço fiscal, a gente tá falando de política fiscal, que é como que o governo organiza seu orçamento, sejam suas receitas sejam suas despesas” já a Reforma é como o Governo lida com a arrecadação por meio da questão tributária.
PRINCIPAIS MUDANÇAS
A principal mudança da proposta é a unificação de 5 impostos cobrados pela União, estados e municípios, que serão substituídos pelo IVA Dual (dois impostos sobre o valor agregado): CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), administrada pela União, que substituirá o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), com gestão compartilhada entre Estados e municípios, que entrará no lugar do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), cobrado pelos Estados, e do ISS (Imposto Sobre Serviços), municipal. As mudanças acontecerão de forma gradual, então até 2026 as leis atuais continuam valendo.
Calendário de implementação:
2024 – envio dos projetos de leis ordinárias e complementares ao Congresso para a regulamentação da reforma;
2026 – início da aplicação da alíquota única, teste de 1%, sendo 0,9% para a CBS,e 0,1% para o IBS, ambos abatidos do Pis/Cofins;
2027 – reforma entra em vigor de fato com a nova CBS e a extinção de PIS e Cofins. As alíquotas do IPI também serão zeradas, com exceção dos produtos que impactam a Zona Franca de Manaus;
de 2029 a 2032 – as alíquotas de ICMS e ISS começam a ser reduzidas gradualmente e a do IBS ampliada; ,
2033 – o novo IBS será plenamente adotado, com a extinção do ICMS e do ISS;
Outra mudança é que a Reforma acaba com o “Efeito Cascata”, quando há incidência de imposto sobre imposto, e a cumulatividade, quando há pagamento de um mesmo tributo em mais de uma etapa da cadeia produtiva. Isso significa, por exemplo, que o tributo pago sobre o papel será abatido do imposto pago pelo fabricante de cadernos e não sobre o consumidor final. O valor dos impostos de insumos serão descontados para que não sejam tributados mais de uma vez.
Sobre a cumulatividade, a resolução diz que todo imposto recolhido no meio da produção dará direito a crédito, acabando com o resíduo tributário (tributos acumulados na cadeia que não são compensados). As mudanças também definem que todo imposto ficará retido no destino, ou seja, onde houve o consumo do produto e não mais na origem, onde foi produzido. O objetivo é acabar com a “guerra fiscal” entre os estados.
Atualmente, governadores podem conceber amplas reduções na tributação para que empresas se estabeleçam em seus territórios diminuindo a competitividade industrial.
ALÍQUOTAS
O Senado poderá fixar a alíquota máxima do CBS (federal)e do IBS (Estadual e municipal) com base na receita obtida pelas alíquotas testes dos anos de 2026 a 2028.
A alíquota do IBS poderá ser determinada por estados e municípios, caso isso não ocorra o Senado irá definir os valores das alíquotas de referência. A alíquota de referência mantém a arrecadação igual aos impostos atuais.
O texto estabelece que o Imposto de Valor Agregado (IVA) terá 4 tipos diferentes de alíquota:
- Padrão: estimada em 27,5%, valerá para produtos no geral
- Reduzida: desconto de 60% para 13 setores
- Intermediárias: desconto de 30% para serviços prestados por profissionais liberais
- Zerada: para um pequeno grupo de produtos em especial
- Imposto seletivo: para produtos que fazem mal à saúde ou ao meio ambiente
O IVA, imposto seletivo ou produtos que ganharão descontos e/ou isenções serão estabelecidos por lei complementar. Já a regularização das alíquotas se dará por meio de leis ordinárias.
ALÍQUOTAS REDUZIDAS:
A PEC prevê que 13 setores da economia terão corte de 60% nos tributos, sendo eles:
- Serviços de educação
- Serviços de saúde Dispositivos médicos, incluindo fórmulas nutricionais
- Dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência
- Medicamentos
- Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
- Serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semi urbano e metropolitano
- Alimentos destinados ao consumo humano e sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes
- Produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda
- Produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura Insumos agropecuários e aquícolas
- Produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional
- Bens e serviços relacionados à soberania e segurança nacional.
A redução de 30% beneficiará profissionais liberais (advogados, engenheiros, contadores e artistas)
A manutenção das reduções das alíquotas deverá ser reavaliada a cada 5 anos.
CESTA BÁSICA:
A proposta também garante a criação da cesta básica nacional que será isenta de impostos. Dentre os produtos que provavelmente serão regulamentados nesta nova etapa, estão itens como o café, feijão, arroz, óleo, sal e proteína animal.
DEVOLUÇÃO DE IMPOSTOS:
A Reforma também prevê cashback no consumo de energia elétrica e gás de cozinha para famílias de baixa renda. O imposto deverá ser devolvido na conta de luz ou no momento da compra do gás, a alíquota referente à essa devolução também será regulamentada nesta etapa.
IMPOSTO SELETIVO:
O novo tributo será de competência federal e irá incidir sobre o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Será uma cobrança adicional à alíquota padrão. A arrecadação será dividida entre a União, estados e municípios. A lista de produtos tributados também precisa ser definida.
ISENÇÕES
O texto sugere que alguns itens sejam isentos da cobrança de impostos, sendo eles:
- Dispositivos médicos
- Medicamentos
- Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
- Itens de acessibilidade para pessoas com deficiência
- Automóveis adquiridos por pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e PCD (Pessoas com Deficiência)
- Veículos adquiridos por taxistas
- Serviços de educação voltados ao Prouni (Programa Universidade para Todos)
- Reabilitação de zonas históricas urbanas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística
- Produtor rural (pessoa física ou jurídica) que obtiver renda anual inferior a R$3,6 milhões.
- Produtos hortícolas (legumes, verduras e vegetais), frutas e ovos.
A medida deve ser regularizada por lei complementar.
REGIMES ESPECÍFICOS DE COBRANÇA
Outra exceção à alíquota única da CBS E IBS é a criação de regimes específicos para produtos e serviços que possuem peculiaridades que dificultam o cálculo do IVA baseado na não cumulatividade (avaliação entre os débitos e créditos). Esses segmentos poderão ser beneficiados, por exemplo, com mudanças na base de cálculo, regras de crédito tributário e com alíquotas especiais:
- combustíveis e lubrificantes;
- serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de sorteios e loterias;
- sociedades cooperativas;
- serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e turismo;
- bares e restaurantes;
- atividade esportiva desenvolvida por SAF (Sociedade Anônima do Futebol);
- aviação regional;
- operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive missões diplomáticas, repartições consulares e representações de organismos internacionais;
- serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário e hidroviário.
TRIBUTAÇÃO DE HERANÇA E PATRIMÔNIO
O texto não elimina impostos relacionados ao patrimônio, como IPTU e IPVA, e as heranças (ITCMD), mas regulamenta em alguns pontos da incidência.
Em relação ao Imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD), a cobrança do tributo sob o inventário (atualmente em 8%) será realizada no local de residência de quem morreu. O objetivo é evitar que manobras sejam feitas por herdeiros para pagar menos impostos.
A medida também propõe uma regra que permite a cobrança de imposto sobre herança no exterior e define que a taxa não incidirá sobre doações ou transferências para instituições sem fins lucrativos que tenham “relevância pública e social”.
A cobrança de Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), irá incidir sobre lanchas, jatinhos e iates. O IPVA cobrado pelos Estados não incidirão em:
- aeronaves agrícolas;
- embarcações de empresas com outorga para prestar serviços de transporte aquaviário (aquáticos);
- embarcações de pesca artesanal, industrial, científica ou de subsistência;
- plataformas que se locomovem na água por meios próprios;
- plataformas que exploram atividades econômicas em águas territoriais e na zona econômica exclusiva;
- tratores e máquinas agrícolas
TEMPLOS RELIGIOSOS E CORREIOS
A Reforma mantém a isenção de impostos a templos religiosos e amplia o benefício para organizações assistenciais e beneficentes mantidas pelas igrejas. O Governo Federal, estados e municípios também não poderão incidir impostos sobre Correios, autarquias e fundações mantidas pelo poder público.
REGIME AUTOMOTIVO
O texto também prevê alterações sobre os benefícios tributários concedidos para as indústrias automobilísticas instaladas nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
A isenção ou desconto de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e alíquota reduzida de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) serão mantidas até 31 de dezembro de 2032 para montadoras e até 31 de dezembro de 2025 para indústrias de autopeças. Para ter direito ao benefício estendido, montadoras devem estar em operação até 01 de janeiro de 2028.
ZONA FRANCA DE MANAUS
Um dos principais pontos de discussão na PEC foi o tratamento especial tributário na Zona Franca de Manaus (ZFM) - região com benefícios fiscais e tarifas alfandegárias reduzidas ou ausentes para incentivar o comércio e desenvolvimento industrial do pólo.
Atualmente a região é isenta do IPI, mas, como a princípio, a Reforma coloca fim ao tributo em todo país com o CBS (Consumo sobre Bens e Serviços), a alternativa encontrada para manter o diferencial competitivo foi a de não zerar o IPI em regiões que competem diretamente com a ZFM, que manterá isenção.
CRIAÇÃO DE COMITÊ GESTOR PARA O IBS
Um comitê gestor será criado para administrar o Imposto sobre Bens e Serviços, que substituirá o ICMS e o ISS, tributos de competência municipal e estadual respectivamente.
O Colegiado será composto por representantes de estados e DF (27 vagas) e representantes municipais e do DF (27 vagas). 14 desses representantes serão escolhidos, entre as cidades, com base na maioria absoluta dos votos de cada uma e, os outros 13, serão decididos com base nos votos ponderados pelas populações. De acordo com a PEC o presidente do comitê deverá ter “notórios conhecimentos sobre administração tributária”.
Além da administração do IBS, o Colegiado ficará responsável por regulamentar e uniformizar a aplicação do tributo, arrecadar o imposto, fazer as compensações e distribuir a arrecadação e decidir sobre as divergências administrativas sobre o imposto. As discussões só serão aprovadas caso tenha os votos conjuntos dos estados, municípios e DF: Estados: Maioria absoluta ou votos de representantes que equivalem a mais de 50% da população Municípios: Maioria absoluta
Cada ente da Federação estabelecerá uma alíquota própria do IBS por lei específica.
Cristina Helena avalia que a proposta tem muitos pontos positivos, apesar de não se ter muita clareza sobre a implementação " Foram 30 anos para a gente conseguir fazer uma reforma tributária, então de qualquer forma, eu acho que a gente tem mais a celebrado que a se preocupar", finaliza a economista.