Adriano Diogo, sobrevivente da ditadura, detalha sua luta política

Em meio à emoção, o ex-deputado do PT relata as dores do período do regime militar e a luta política que mantém até os dias de hoje
por
Martim Tarifa
Daniella Ramos
|
13/11/2025 - 12h

Fomos até um dos mais famosos condomínios da cidade de São Paulo, na entrada de seu jardim tem uma grande escultura de Domenico Carbone. Inicialmente estava combinado que subiríamos ao apartamento para realizar a entrevista, mas quando chegamos lá ele nos conduziu a uma sala de reuniões de seu prédio. Vestia uma camisa polo vermelha sobreposta por uma jaqueta impermeável azul, uma calça jeans e um sapatênis preto comum 

Adriano, em tom sério, começa a nos contar sobre sua infância onde trabalhou por um curto período na padaria com seus pais, os quais passavam dificuldade na época. Sua mãe era professora e seu pai, um pequeno comerciante que entrou no ramo de padarias. Com objetivo de entrar na faculdade de medicina da USP, o ex-deputado estudou em uma das melhores escolas estaduais de São Paulo, E.E. Profº Antônio Firmino de Proença. 

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Escultura de Domenico Carbone chama atenção na entrada do condomínio. Foto: Martim Tarifa/AGEMT

Em 1963, sua turma da escola ficou responsável por ajudar a delegação estadunidense nos Jogos Panamericanos que estavam sendo realizados na USP. Por se destacarem na maioria dos esportes, os americanos tinham uma grande quantidade de patrocinadores e queriam utilizar isso nos jogos, trazendo cerca de 40 mil bonés impermeáveis com botons de cada esporte. Indignados com a quantidade de material que a delegação trouxe, Adriano e os colegas repudiaram a ação, o que teve uma alta repercussão. 

Com a entrada dos militares no poder, em 1964, Adriano foi expulso da escola pela ação contra os estadunidenses e não iria conseguir ingressar no curso que queria na Universidade de São Paulo, assim automaticamente ele se viu no movimento contra a ditadura.  

Entre os anos de 1964 e 1968, ele manteve sua luta estudantil, aliado à ALN (Ação Libertadora Nacional) até ingressar no curso de Geologia na USP, em 1969. “Quando entrei na USP, praticamente não tinha nada de agitação política. Não tinha um centro acadêmico aberto, não tinha uma atividade cultural... tudo era protegido e vigiado. Os primeiros 6 meses de faculdade, eu fiquei quietinho estudando porque meus colegas de movimento sofreram muito com a implementação do AI-5 em 1968”. 

Rogério Tarifa, diretor de teatro e amigo de Adriano afirma: “A relação do Adriano com a cultura e com a arte é muito forte”. Rogério conta que Adriano era muito amigo de Cesar Vieira, advogado dos presos políticos, fundador da companhia “Teatro Popular União e Olho Vivo” e um dos grandes dramaturgos do Brasil.  

Com a vinda de Nelson Rockefeller para o Brasil, Adriano volta à ativa da militância política. “Comecei a fazer ciclo de cinema na USP, que corria todas as faculdades”, afirma Adriano Diogo sobre como implementou novamente o movimento político dentro da Universidade. “Fui ao teatro de Arena e lá aprendi a fazer o teatro de guerrilha, na época chamávamos de teatro jornal”, comenta Adriano. Lá, reuniam todas as notícias de jornal, inclusive as proibidas, e faziam pequenas esquetes para agitação política.  

“O Adriano é um amante do teatro, da cultura do nosso país e por ele ser ex-Deputado, militante, acabamos juntando as coisas numa arte que possa buscar a transformação do nosso país”, afirma Rogério.  

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À esquerda Adriano Diogo aos 18 anos em um protesto em São Paulo. Foto: Divulgação/ arquivo pessoal

Entre 1969 e 1973, Adriano usava a arte e cultura como meio de enfrentamento político, mas teve um contratempo: “Quando voltei do meu estudo de TCC em Diamantina, onde passei um mês, meu amigo Alexandre tinha sumido e a família falava que ele tinha feito uma cirurgia de apendicite. Ficamos preocupados”, conta Adriano sobre seu amigo Alexandre Vannucchi Leme participante da ALN. Em março de 1973, mesmo ano do “sumiço” de Alexandre, os militares infiltrados em um dos caminhões da Folha de São Paulo, invadiram a casa de Adriano, levando-o preso junto aquela que ainda era sua namorada, Arlete Lopes Diogo, com quem teve uma filha e dois netos. Já no DOI-CODI, Adriano ouviu de um dos militares: “Você sabe onde você está? Você está na antessala do inferno, a Operação Bandeirantes”.  

Alguns dias depois, durante uma conversa com um dos guardas, ele soube da morte de Alexandre, que teve o corpo enrolado num tapete e jogado na Rua João Boemer, na região do Brás. “Aí contrataram um caminhão para esmagar o corpo dele e dizer que ele havia se suicidado.” Completou Adriano. Durante os interrogatórios ele percebeu que os militares “não sabiam de nada”, perguntando coisas com as quais ele não tinha ligação alguma, principalmente para incriminar Alexandre com o movimento armado.  

Adriano ficou preso cerca de 2 anos, sendo 90 dias na solitária dentro de um cofre. Ele afirma que, durante esse período, ficou sem comer e bebeu pouca água. Diogo lembra que foi solto porque, apesar da vontade dos militares de matá-lo, não havia motivo suficiente, já que “não tinha sangue nas costas”.  

Ao mencionar o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, Adriano Diogo não titubeou: o maior prazer dele era trazer os cadáveres dos companheiros mortos, para que os interrogados vissem. “Ele falava, conhece esse aqui? Conhece esse aqui?”.  

Um dia Ustra iniciou a tortura perguntando se Adriano se lembrava da Suelly Kanayama, estudante de Letras, que gostava de arte, teatro, adorava literatura... “Tive que matá-la depois da guerrilha do Araguaia”.  Com a voz embargada Adriano conta que perguntou o que tinha a ver com isso e o coronel respondeu: “Eu te trouxe aqui pra ver a foto dela”, então Ustra mostrou uma imagem de Suelly, amiga de Adriano, com a cabeça decapitada. “Esse era o Ustra, para você ter uma ideia de quem era esse assassino”, completou em meio a lágrimas. 

Em 1979, ele se junta ao Partido dos Trabalhadores desde sua origem e nunca mais se desvincula da política e da luta pelos direitos humanos. Em sua carreira política profissional, foi Vereador de São Paulo de 1988 até 2003, secretário do meio Ambiente da Prefeita Marta Suplicy e Deputado Estadual de 2003 até 2015. Em seus últimos anos ativos na política, presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva".  

“A história do Adriano é muito triste, mas bonita ao mesmo tempo porque mesmo depois de tudo, ele se formou politicamente e transformou toda sua dor em luta”, completou Rogério Tarifa.