“Minha cadeira de rodas que eu tanto rejeitava no início do acidente se tornou minha melhor companhia, pois substitui minhas pernas e me leva onde quero ir.” Antônio Luiz Martins, 57, ou como é conhecido por todos em sua volta, Tony, meu tio, reconhecido por sua simpatia e habilidade em pintar seus quadros com a boca, porém para se entender como isso ocorreu deve-se voltar um pouco em sua história.
Durante toda minha infância e adolescência cresci ouvindo as histórias do meu pai e seus irmãos sobre como viviam em sua terra natal, Botucatu, cidade do interior paulista.
Como a vida que tinham no campo, as bagunças que faziam na vizinhança, as idas para a escola que ficava no centro da cidade então ao chegarem lá já estavam todos sujos de terra e suor, a paixão de, praticamente, todos eles pelo futebol e o time da cidade AC Lageado, onde jogaram e fizeram amizades.
Tendo uma história em particular contada por meu pai, Clemente Martins Filho, sobre os dois e outro irmão, José Ramos Martins. Os três saiam para pescar, porém Tony não gostava nenhum pouco da atividade, então, simplesmente, quando chegava ao limite da paciência, pegava a latinha com as minhocas de isca e jogava no rio para assim terem que ir embora. “Isso porque andávamos uns 12 km para ir pescar”, Clemente completou. “Se for contar as histórias do que ele aprontava, vai ser melhor nem colocar”, finalizou enquanto ria lembrando-se do passado.
Porém para Tony tudo isso mudou no dia 8/11/1991, quando com 27 anos sofreu um acidente de carro que atingiu suas vértebras C6 e C7, o deixando tetraplégico. “No início foi muito complicado, pois perdi os movimentos do peito pra baixo, fiz três cirurgias, aí com muita fisioterapia aos poucos fui recuperando alguns movimentos”.
Com o passar do tempo notou que a fisioterapia e a falta de alguns movimentos do seu corpo não estavam sendo seu maior inimigo naquele momento, mas sim aceitar que aquela era sua nova realidade “só depois que me aceitei como cadeirante, que as coisas foram melhorando, foi abrindo o horizonte, e foi surgindo às oportunidades e desafios”.
Para meu pai que já havia se mudado para São Paulo há cerca de dois anos, foi mais difícil de acompanhar, somente quando ia para Botucatu a cada um mês ou nas vindas de Antônio para realizar sua fisioterapia na AACD. “Normalmente, ele vinha em um carro velho, que quase sempre quebrava no caminho, e quem tinha que ir ajudar era eu que já dirigia” concluiu. Essa foi a primeira vez em meus 18 anos que, realmente, conheci mais sobre a história do acidente em si e o processo após ele.
Como Tony sempre diz, foi graças ao apoio dos familiares e amigos que conseguiu seguir em frente, e também foi nesse momento em que a arte surgiu na sua vida, durante a fisioterapia começou a realizar as pinturas em tela para se distrair, uma forma de terapia, porém mal sabia que elas mudariam sua vida no futuro.
Tornou-se voluntário na área da educação escolar, começou a dar palestras, aulas particulares de pintura, essas que durante minhas visitas a ele acompanhei algumas vezes, e sempre reparei como ele ama fazer isso, ensinar e mostrar para crianças que passaram pelo mesmo acidente que ele, que podem e vão superar, além de realizar algumas exposições.
Enfim, em 2010 recebeu uma bolsa de estudos da Associação dos Pintores com Pé e com Boca (APBP) da Suíça, com isso exportou diversos quadros que serviram como bases para calendários, cartões postais e outros produtos para diversos países, como a própria Suíça, Argentina e Brasil.
Toda a vez que vou para cidade, sua casa é sem dúvida parada obrigatória, para conversar, escutar suas histórias, observar seus quadros, mas também para ver como ele é querido por todos em sua volta.
Não importa o dia ou a hora, em algum momento alguém vai passar na frente do portão da residência para cumprimentá-lo, e Tony sem dúvidas irá chamar a pessoa para entrar tomar um café ou um participar de um churrasco que sempre ocorre para comemorar a vida. Por esse e outros motivos, ele se tornou inspiração para grande parte da cidade, um exemplo de nunca se desistir e enfrentar seus desafios.