“Já encerrei uma entrevista porque o entrevistado não conseguia tirar os olhos das minhas coxas. Isso nos poda”, afirma Ana Paula Costa, jornalista e representante da Federação Nacional dos Jornalistas do Rio Grande do Norte em entrevista ao El País. “Passei anos indo trabalhar apenas de calça, com vergonha. E a culpa não é nossa”, completa.
Situações como essa não são incomuns para mulheres jornalistas no Brasil. Dados da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) apontam que ao menos 78,5 % das jornalistas já enfrentaram algum tipo de atitude machista durante entrevistas que realizaram. Não se limitam, inclusive, a uma única área de atuação do jornalismo: vão do esporte à cultura, do “fala povo” à política, do trabalho de campo às redações.
Um estudo elaborado em 2016 pelo Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal revelou que 77,9% das jornalistas em atuação revelam já ter sofrido assédio moral por parte de colegas e chefes.
Quanto à política, a situação não melhora e perpassa figuras de cargos relevantes como a presidência, como é o caso de Jair Bolsonaro, presidente da República em atuação desde 2019. Há um relatório, do mesmo ano, da FENAJ que revelou que metade dos 204 ataques sofridos por jornalistas tiveram como agressor o Presidente e que, ainda, o seu principal alvo foram jornalistas mulheres.
Dados como esses revelam o grau de institucionalização no qual se encontra o machismo atualmente. Quando figuras de importância como o Presidente da República perpetuam atitudes machistas abertamente, é apresentada uma mensagem de que há uma naturalidade nessas ações. Isso não impede, entretanto, mulheres jornalistas de se organizarem socialmente contra o machismo.
Em 2018, cerca de 50 jornalistas fizeram um movimento chamado “Deixa ela trabalhar” em resposta a contínuos casos de assédio durante coberturas realizadas em eventos esportivos como partidas de futebol.
“É feita por jornalistas esportivas, mas queremos dar voz para mulheres de todas as esferas”, afirma Bibiana Bolson, jornalista da ESPN W, sobre o movimento em entrevista ao El País. Este teve como estopins os assédios sexuais sofridos por Bruna Dealtry e Renata Medeiros. A primeira fazia uma cobertura de um jogo de futebol quando foi beijada à força, e a segunda foi xingada e agredida ao vivo também durante uma cobertura esportiva. Ambas as agressões foram perpetuadas por torcedores.
“A ideia é dar uma resposta aos assédios e às situações recentes da Bruna e da Renata, que é também um pouco a história de todas nós, que já fomos assediadas nas redações, nos estádios e sofremos violência nas redes sociais” continua Bolson sobre a situação.
No âmbito da carreira jornalística, o machismo contra o qual lutam as mulheres, como Medeiros, Bolson, Dealtry e Costa, também lança suas garras.
Apesar de apenas 36% dos cargos de jornalistas no Brasil serem ocupados por homens, e 64% por mulheres, eles continuam ganhando mais que elas que, para completar, têm mais dificuldades em ascender a cargos de comando nas redações, nos canais de televisão e na administração.
Para a repórter do Brasil de Fato MG Larissa Costa, “Ainda prevalece aquela ideia antiga de sexualização do corpo, da invisibilização da diversidade das mulheres. Há um projeto nisso tudo, um projeto de manutenção das desigualdades” fala que revela justamente o caráter estrutural do machismo na sociedade.
Quanto à sexualização dos corpos das mulheres, Ana Paula Costa traz o assunto para dentro dos jornais: “Já ouvi colegas relatando que chefes pediram para aumentar o decote para conseguir determinada informação e, quando existem mulheres promovidas, sempre há o burburinho na redação de que só conseguiu porque teve relações sexuais com a pessoa certa”.