No ano em que completa 80 anos de idade, Caetano Emanuel Vianna Teles Veloso acaba de lançar sua nova turnê, intitulada "Meu Coco", nome do seu disco mais recente lançado em 2021. Natural de Santo Amaro da Purificação, na Bahia, o filho de Dona Canô encanta ao Brasil desde seu surgimento como artista. Escritor, cantor, compositor, intérprete, as muitas versões de Caetano têm em comum a qualidade e o ar inovador de suas ideias. O artista, que está prestes a completar 80 anos de idade, acaba de lançar sua nova turnê de nome homônimo ao seu novo disco "Meu Coco". Misturando grandes sucessos com novas canções, Caetano revela seu jeito odara de ser.
Em sua estreia nos palcos, no III Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, no ano de 1967, Caetano se apresentou com a banda de rock os Beat Boys. A apresentação causou estranheza no público da época, pela introdução da guitarra elétrica. O professor, jornalista e compositor Valdir Mengardo, relembra a resistência cultural da época em relação ao instrumento. "Em 1968, a música popular brasileira tradicional, não queria de jeito nenhum guitarra, e o Caetano Veloso introduz nas suas músicas a guitarra. Dali a dois, três anos, todo mundo tava usando guitarra e o tipo de harmonia que ele usava”.
Para Mengardo, a apresentação de Caetano representou uma revolução no cenário musical da época. "O tipo de letra, ele rompia com aquela lógica linear da letra da canção de protesto, usava um repertório muito grande. Ele revolucionou todo o modo de fazer a música no final da década de 60", diz o jornalista.
O doutor em letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em estudos da canção, Felipe Pupo, ressalta a singularidade cultural e a conexão com a sociedade presente nas obras de Caetano. “Ele estabelece um diálogo com estes elementos, e consegue, num só tempo, e sem contradições, louvar o que existe de melhor nestas, e criticar todas as possíveis mazelas presente nelas também, num olhar sempre muito atento, crítico e contextualizado. Nada lhe escapa! Haja vista canções como Tropicália, Gente, Cinema Novo”.
Com um apelo político muito patente em suas canções, Caetano foi um dos símbolos da resistência à ditadura militar (1964-1985), e registrou em suas letras não apenas desabafos, mas verdadeiros manifestos. “A importância do Caetano é criar, estimular um senso crítico na população, e que não fosse aquele senso crítico exclusivo daquela linearidade defendida pela esquerda tradicional, criar outros caminhos políticos para se fazer música”, avalia Mengardo.
Inovador e sempre com ares tropicalistas, Caetano traz nas suas músicas reflexões que levam a sociedade a se repensar enquanto comunidade. Em 1968, em uma apresentação conjunta com a banda Os Mutantes no TUCA, teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a banda mal tinha começado a introdução e a plateia já atirava objetos no palco, provocativo, Caetano entrou no palco com uma roupa de plástico brilhante e encenando movimentos que sugeriam os de uma relação sexual. O público em revolta virou-se de costas para o palco, e a resposta da banda foi imediata: sem parar de tocar, ficou de costas para o público. Em meio ao tumulto no teatro, Caetano fez um inflamado discurso criticando a postura dos ouvintes. "É isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?", questionou o artista no começo de seu discurso.
Para Pupo, as letras de Caetano vão além de qualquer partidarismo que possa se tentar colocar, e avançam a questões mais indigestas para a sociedade. “A obra de Caetano Veloso tem uma importância política singular no que diz respeito aos costumes. Caetano Veloso e sua obra estão sempre tratando disso, seja pelo lado positivo (elogiando, conclamando), ou negativo (denunciando, criticando). Haja vista canções como “É Proibido Proibir”, “Podres Poderes”, “Fora da Ordem”, “Americanos”, “Mamãe eu quero ir a Cuba”, “Base de Guantánamo”, diz Pupo.
Durante toda a carreira, Caetano transitou por muitas áreas da música, e até da literatura – tendo em suas músicas influências do modernismo – e ainda o faz, com “vigor e inquietação’, de acordo com Felipe Pupo. “O próprio disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circensis se propõe a uma espécie de atualização da Semana de Arte moderna, numa revisão da cultura brasileira. Mas Caetano faz isto durante toda sua carreira, e chega à atualidade com o mesmo vigor e inquietação característicos do Tropicalismo. Em Não vou deixar, por exemplo, podemos notar uma esfera política que subjaz à canção, para além da esfera de um casal, por exemplo. Ele nunca deixa de se posicionar”, afirma o especialista em estudo da canção.
Valdir Mengardo classifica o artista Caetano Veloso como “revolucionário”. “O Caetano foi um revolucionário. Ele é um revolucionário na música brasileira. Caetano é uma das pessoas que ‘tá’ aí brigando”, diz o jornalista ao retomar a participação política de Caetano nos últimos anos.
Pupo salienta o caráter atemporal de toda a obra. “Caetano Veloso certamente sempre suscitará reflexões, independente do tempo, tanto autorreflexões, na esfera humana, metafísica, quanto reflexões em âmbitos coletivos, sociais. Haja vista que suas canções dos anos 60 ainda dizem muito a respeito do Brasil, cinco décadas depois de terem sido lançadas”, diz.
Em janeiro deste ano, Caetano anunciou uma parceria com o universo Mundo Bita, projeto infantil idealizado pelo músico e designer pernambucano Chaps Melo. A animação de Caetano participará do projeto “Rádio Bita”, que recria músicas da MPB em clipes animados. Lila, Don e Tito, personagens do Mundo Bita, aparecem em alguns dos vídeos, como em “Leãozinho”, sucesso de 1977.
Inovador, atemporal, poeta, pensador, escritor, musicista, político, filho, pai, avô, marido e padrinho, Caetano Veloso chega aos seus 80 anos com o vigor de um eterno tropicalista. Felipe Pupo definiu o baiano como um: “Um artista com A maiúsculo! Alguém que consegue colocar em palavras e sons uma visão muito singular desta realidade em que todos estamos inseridos, e tornar obra de arte tudo que acontece em nosso cotidiano, a partir de um olhar atento, uma visão privilegiada e uma capacidade artística singular”.