17 anos das 556 mortes na cidade de São Paulo

Entenda a história do PCC e como a polícia militar executou centenas de civis inocentes durante conflito com a facção criminosa
por
Laura Teixeira
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17/05/2023 - 12h

O dia 15 de Maio de 2006 ficou marcado por um cenário de terror. As ruas da cidade de São Paulo pareciam fantasmas depois de um toque de recolher divulgado pelo PCC. Os dados oficiais mostraram que após vários embates entre a PM e a facção, mais de 500 pessoas foram mortas e apenas 30 processos seguiram no ministério público.

No mesmo mês, mais de 700 presos foram transferidos de cadeia, incluindo Marcos Willians (popularmente chamado de Marcola e líder que revolucionou o PCC) com foco em dissipar parceiros da facção e evitar uma possível rebelião que a secretaria do estado de São Paulo já estava ciente. Entretanto, essa movimentação não deixou que o PCC desse início a uma série de atos violentos contra agentes e espaços publicos e que rebeliões em presídios de fato acontecessem.

A partir dos primeiros homicídios de policiais militares o Estado reagiu com ainda mais força. Em entrevista para a Folha de São Paulo, um dos policiais vítima dos ataques da facção afirmou que “ [as mortes] foram uma defesa dos policiais, se agente ficasse esperando, iríamos só receber” entendendo que a forma de preservar a vida deles era responder com ainda mais violência. O ouvidor da polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Neves, afirmou que essa reação vinda dos PMs era baseada em um sentimento de vingança, assassinando centenas de pessoas inocentes.

Um toque de recolher foi imposto em São Paulo que ficou parecendo mais uma cidade fantasma. Débora Maria da Silva, criadora do movimento “mães de maio”, afirmou que recebeu ligações de policiais alertando que quem estivesse na rua seria considerado bandido e, consequentemente, morto. Ao todo 556 pessoas foram executadas - a maioria da periferia -  com apenas 30 denúncias feitas pelo ministério público. O restante dos casos foi arquivado. 

Ato em SP reivindica justiça e memória pelos crimes de maio de 2006 / Acervo Movimento Independente Mães de Maio

No documentário “As feridas de Maio” gravado pela Folha de São Paulo, diversas mães relatam como seus filhos foram executados nesse conflito entre o PCC e a PM. Uma delas foi a Vera Gonzaga, mãe de Ana Paula que estava grávida quando foi abordada pela polícia militar  indo comprar vitamina junto ao seu namorado Eddie Joey. Segundo Vera, o policial ao abordar sua filha foi informado pelo Joey que ela estava grávida. Mesmo assim o disparo foi feito e ao chorar pela morte de sua namorada gestante, Joey foi baleado nas costas. 

Em entrevista a Agemt, José Arbex Jr, jornalista formado pela USP, entende que a mídia teve um papel importante para o pânico mantido na cidade, principalmente para aumentar o medo de jovens periféricos como maneira amenizar os atos cometidos pelos PMs. Ao ser perguntado sobre os assassinatos, o jornalista afirmou que “ foi criado um pânico, na minha opnião, proposital  pela mídia pra criar essa sensação de que os pobres negros da periferia são uma ameaça para nós, classe média branca“, corroborando para o argumento de que as mortes fizeram parte do extermínio da periferia por parte da polícia militar.

Cláudio Lembo, governador do Estado de São Paulo durante o conflito, entende que os homicídios  foram genuínos. “Não acredito [que tenha ocorrido muitas mortes]. Foi tudo legítima defesa” afirma. Além disso, ele entende que o governo fez o que podia para entender a causa das mortes de inocentes e que os 526 casos arquivados não foram bem explicados pelo Ministério Público.

O massacre do carandiru

"Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de / Uma HK/ Metralhadora alemã ou de Israel / Estraçalha ladrão que nem papel”. Para entender maio de 2006, é preciso relembrar outubro de 1992. Os versos da música “Diário de um Detento”, dos Racionais, explicam de maneira clara a política de violência que era imposta na Casa de Detenção de São Paulo (chamada de Carandiru). 

Com 7257 presos e 7 pavilhões, os policiais utilizam armamentos pesados. O clima era de guerra. No dia 02 de Outubro de 1992, uma rebelião começou e o Estado respondeu com um banho de sangue. Esse episódio marcou a sociedade brasileira e, segundo especialistas, deu início a um crescimento das facções criminosas dentro das cadeias.

(Nenhum policial foi ferido durante o massacre do Carandiru/ reprodução)

O pavilhão 9 era destinado a presos de primeira viagem ou que estavam aguardando julgamento. Após uma briga entre os detentos em um campeonato de futebol, uma rebelião começou já deixando alguns mortos. A PM (polícia militar) foi chamada para acalmar o caos. 

O Dr.Drauzio Varella, autor do livro “ Carandiru” fala que a situação poderia ter sido acalmada pela própria administração da cadeia, não era necessário que a PM invadisse  com metralhadoras, os presos não possuíam arma de fogo e ninguém tinha sido feito refém. O médico trabalhava na penitenciária desde 1989 e conhecia não só os encarcerados, mas também a equipe que cuidava deles como o próprio diretor. 

O livro relata que em situações como aquela a medida a ser tomada deveria ser cortar a luz e água dos presos e então realizar uma negociação. Entretanto, os militares receberam ordem da secretaria de segurança para invadirem o pavilhão nove. Acredita-se que por ser ano de eleição, foram tomadas as decisões que resultaram no massacre e na morte de 111 presos - a autópsia revelou que 70% deles atingidos por bala na cabeça ou tórax. Nenhum  policial foi morto. 

O Primeiro Comando da Capital

Depois do massacre alguns encarcerados foram realocados para casa de Custódia de Taubaté, popularmente chamado de “Piranhão”. A transferência foi uma forma de castigo àqueles que se rebelaram no dia 8 de outubro de 1992, já que o local era extremamente hostil. Uma das pessoas transferidas foi o José Márcio Felício, apelidado de Geleião, o primeiro líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), 

Um campeonato de futebol foi organizado no Piranhão, lá havia uma rivalidade entre os presos vindo da capital e do interior. O time de São Paulo foi chamado de PCC, liderado por Geleião, que utilizou o torneio para se vingar do outro time, matando e esfaqueando todos os rivais. No dia 31 de Agosto de 1993 o PCC nasceu com 6 membros, seu foco era vingar o massacre do Carandiru e culpar o Estado pela corrupção que ocorria no sistema carcerário.

Depois de conflitos internos, a liderança da facção mudou, o novo comandante era Marcola. Foi ele quem mudou o direcionamento do PCC, a  organização se estabeleceu como principal organização criminosa no país, com foco na venda de cocaína plantada na Bolívia e enviada para Europa e Ásia, além de controlar o tráfico de drogas em São Paulo. 

Arbex entende que a dinâmica implementada dentro das cadeias pela facção auxilia na organização dos detentos dentro das penitenciárias: "O PCC conseguiu criar uma norma de conduta dentro das cadeias que deu a possibilidade da estrutura presidiária se manter”. Segundo Arbex, esse domínio se expande para além das casas de detenção, indo para as ruas. Ao ser perguntado sobre como essa organização se mantém, o jornalista afirma: “ [O PCC] vai fazendo acordos com o governo do estado, claro que extraoficiais, e eles são visíveis pelo efeito que têm, evitando que um grau de desordem retorne”.