Após grupo de manifestantes atear fogo no monumento que homenageia Borba Gato, no dia 24 de julho, questionamentos sobre a legitimidade de esculturas de figuras problemáticas passaram a tomar conta do debate público. Um levantamento realizado em 2020 pelo Instituto Pólis mostrou que, só na cidade de São Paulo, 14 monumentos de homens brancos homenageiam momentos ou personagens controversos.
Em meio a esse debate, a vereadora da cidade pelo PSOL, Luana Alves, realizou um abaixo assinado propondo a substituição da estátua do bandeirante pela da líder quilombola Tereza de Benguela. Ela explicou em entrevista exclusiva por telefone que esse ato demonstra a importância da escolha da sociedade: “O abaixo assinado serve para que as pessoas tenham poder de decisão sobre quem elas querem homenagear".
O levantamento do Pólis mostrou também que as representações de homens brancos têm dimensões maiores, quando em comparação com mulheres, pessoas negras, indígenas, árabes e orientais. Apesar de ocuparem espaço em ambientes públicos, essas figuras também estão presentes em lugares fechados: “Na câmara municipal, na entrada do salão nobre, tem um painel enorme com os bandeirantes paulistas, isso na casa do povo", contou a vereadora.
Pe. Anchieta, Raposo Tavares, Anhanguera e Fernão Dias são alguns dos nomes que fazem parte do dia a dia do paulistano. Além de nomear espaços públicos, como rodovias, seus rostos estão espalhados por toda a cidade. Anhanguera, por exemplo, tem sua figura representada em frente ao Masp.
Apesar de ter uma imagem heroica atribuída a si, ela foi baseada em um suposto desenvolvimento econômico que apoiou-se na escravização de pessoas negras e indígenas, contribuindo para a construção de uma história racista e colonial. “A questão é que, ideologicamente, tem quem queira seguir com a ideia de que a escravidão fez parte de um processo natural na história do Brasil” aponta Alves. Já Cássia Caneco, representante do Instituto Pólis, completa: “Fomos percebendo que é uma cidade que conta sua história através de uma visão branca e colonialista”.
Ainda de acordo com a pesquisa, a variedade de materiais usados na construção das estátuas também demonstra a percepção histórica colonizadora. Enquanto monumentos a pessoas brancas receberam nove tipos de materiais na construção, como mármore e azulejo, a de pessoas negras, indígenas e orientais, receberam apenas quatro, contra três dos árabes, usando instrumentos como madeira e concreto.
Os locais urbanos que os monumentos ocupam na capital também determinam a prioridade a essas personalidades controversas. Como conta Caneco: “As figuras dos colonizadores e bandeirantes estão sobretudo na área central da cidade, em locais com investimento e movimento, associando-as a esse poder e progresso nacional”.
Segundo o levantamento realizado pelo Pólis, existe apenas um monumento na capital que homenageia uma mulher negra, o ”Mãe Preta”. Esta estátua, com 3,64 metros de altura, fica no Centro Histórico de São Paulo e conta com estereótipos de “feições quase animalescas, os pés bem maiores que a cabeça, amamentando uma criança branca”, como explica Caneco.
Em meio à raridade de figuras não-brancas e dificuldade de mudar essa realidade, está a resistência social em compreender a realidade histórica, como disse a representante do Instituto Pólis: “Estamos falando de uma disputa de narrativas, quando há um ataque ao próprio Borba Gato, por exemplo, a elite entende que foi atacada diretamente, pois em grande parte ela herdou seu poder dessas figuras”.